O National Cancer Institute (NCI) do governo dos EUA administrou o Calquence a um pequeno número de pacientes com Covid-19 hospitalizados no Walter Reed Army Medical Center. Alguns dos pacientes gravemente doentes com Covid-19 que receberam Calquence, também conhecido por seu nome genérico acalabrutinibe, mostraram melhoras visíveis, dizem pessoas familiarizadas com o assunto.
LEIA MAIS: Citigroup surpreende em receita, mas frustra em lucro e ação cai no pré-mercado
Quando o Calquence entrou em um ensaio clínico controlado e randomizado, o NCI observou que, embora o medicamento já seja aprovado nos EUA para alguns tipos de câncer de sangue, não é aprovado pela Food and Drug Administration como tratamento para a Covid-19.
Uma das questões médicas mais graves da atual pandemia é como o sistema imunológico das pessoas infectadas com SARS-CoV-2 combate o vírus. Alguns pacientes com Covid-19 ficaram gravemente doentes ou morreram depois que as moléculas de citocinas em seus corpos provocaram uma resposta imune fora de controle (chamada de tempestade de citocinas) que danificou os pulmões ou causou a síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), que inunda os pulmões com fluido.
Calquence e Imbruvica são conhecidos como inibidores da tirosina quinase de Bruton porque bloqueiam a proteína BTK, que é essencial para a sinalização das células B do sistema imunológico humano. Esses medicamentos provaram ser especialmente eficazes em pacientes com leucemia linfocítica crônica, mas também têm um benefício anti-inflamatório, como os medicamentos para artrite.
“A tempestade de citocinas que ocorre na pneumonia desses pacientes é fortemente mediada pela quinase de Bruton e, ao contrário das abordagens que estão tentando lidar com uma citocina de cada vez, vejo isso mais como uma intervenção truncal, na qual você está basicamente atingindo a caminho chave central que regula muitas dessas citocinas, de modo que a lógica é incrivelmente forte. Nos dá a oportunidade de resolver todo o problema.”
No início da semana passada, a AstraZeneca formou uma força-tarefa para Covid-19 depois de receber dados iniciais sobre pacientes que receberam o Calquence pelo NCI. Baselga disse que dentro de 72 horas a empresa concluiu a elaboração de um ensaio clínico da doença e o submeteu ao FDA, no estudo mais rápido que ele já viu em seus 30 anos de carreira. Tal esforço normalmente levaria mais de três meses.
O estudo de 400 pacientes da AstraZeneca foi projetado para dar Calquence aos pacientes em ventiladores e inclui um grupo de controle composto por pacientes com alto risco de usar ventiladores, alguns dos quais receberão o medicamento, enquanto outros não. Baselga disse que a decisão de não dar o medicamento a alguns pacientes foi difícil, mas necessária.
LEIA TAMBÉM: Goldman Sachs tem queda de 49% no lucro trimestral
“Não é um momento em que a continuidade do status quo é aceitável. Com uma taxa de mortalidade de 50% entre pacientes gravemente enfermos, toda ideia racional precisa ser avaliada rapidamente”, afirmou Sharman. “Muitas das coisas que estão sendo feitas para pacientes que sofrem de Covid-19 são feitas com muito menos justificativa científica”.
Um problema complicado que a AstraZeneca teve de resolver é como administrar Calquence, que é uma cápsula, a pacientes que usam ventiladores. A empresa está aconselhando os médicos a administrar o medicamento através de um tubo em uma solução composta por Coca-Cola, que, devido à sua acidez, liquefaz adequadamente o pó. O medicamento já foi administrado dessa maneira.
“Eu acho que um inibidor de BTK de molécula pequena é um dos melhores alvos anti-inflamatórios para a tempestade de citocinas, ou potencialmente SDRA, principalmente devido ao perfil de segurança limpo e ao mecanismo de ação dessa classe, como evidenciado nos modelos pré-clínicos de lesão pulmonar”, diz Wayne Rothbaum, ex-presidente executivo da Acerta e uma força motriz por trás do desenvolvimento do Calquence, que enfatizou que a proteína BTK deve ser irreversivelmente inibida para obter potência máxima.
“Não há dúvida de que um inibidor seletivo de BTK será altamente eficaz em uma subpopulação de pacientes com Covid-19 onde esse mecanismo deve funcionar”.
O centro de câncer da Ohio State University também está trabalhando para registrar com a Food & Drug Administration um estudo controlado randomizado de outro medicamento inibidor de BTK em pacientes com Covid-19 em estágio avançado.
John Byrd, hematologista e diretor de pesquisas sobre leucemia do centro de câncer da Ohio State University, em Columbus, desempenhou um papel de liderança no desenvolvimento e aprovação de Imbruvica e Calquence. Ele se sentiu impotente quando a pandemia chegou aos EUA em fevereiro. Primeiro, parou de fazer viagens de trabalho porque estava preocupado em infectar seus pacientes com câncer. Ele também começou a ler sobre o novo coronavírus, aprendendo sobre a tempestade de citocinas e outros problemas associados que o fizeram pensar que um inibidor da BTK poderia ser aplicável a alguns pacientes com Covid-19.
Quando seu centro de câncer fechou devido à pandemia, Byrd instruiu as cerca de 70 pessoas de sua equipe de oncologia de hematologia a ler o máximo possível sobre o SARS-CoV-2. “Eu disse a eles: ‘Vamos criar algo que possamos fazer, algo impactante, e se não encontrarmos algo, pelo menos lemos sobre o assunto e vamos tentar’”, disse Byrd. “Nossa prioridade, eu disse ao grupo, é o ibrutinib [Imbruvica] porque reduz a resposta inflamatória”.
Byrd também ouviu um relato anedótico de um médico no norte da Itália, onde o sistema de saúde estava sobrecarregado por pacientes com Covid-19, de que a maioria de seus pacientes idosos com leucemia linfocítica crônica que estavam tomando Imbruvica como parte de seu curso normal de tratamento não apresentava sintomas de Covid-19. Sendo imunocomprometidos, esses pacientes estavam sob ordens estritas de se auto-isolar, mas havia uma chance de que algo mais estivesse acontecendo relacionado aos medicamentos que estavam tomando.
Vasculhando a literatura científica em março, Byrd e sua equipe encontraram vários artigos relevantes que nunca, em circunstâncias normais, teriam se incomodado em procurar. Uma descoberta logo virou assunto entre oncologistas especializados em leucemia. O estudo descrevia um trabalho pré-clínico realizado em 2018 no Centro de Ciências da Saúde da Universidade do Texas, em Tyler. No experimento, ratos foram infectados com uma dose letal do vírus influenza. Três dias depois, um grupo aleatoriamente escolhido de camundongos começou a receber doses diárias de Imbruvica. Os ratos que não receberam Imbruvica sofreram danos nos pulmões e morreram, enquanto os ratos que receberam o medicamento se recuperaram.
“Nossas descobertas inovadoras sugerem que o BTK pode ser um novo alvo de drogas para lesão pulmonar induzida por influenza e, em geral, que o imunomodulador pode ser fundamental no tratamento da disfunção pulmonar causada por inflamação excessiva”, concluíram os autores do estudo.
Byrd observou que a patologia dos ratos no estudo lembrava o que ele havia lido nas autópsias de pessoas que morreram devido a insuficiência pulmonar associada a Covid-19. Ele diz que os dados pré-clínicos sobre o Imbruvica e o que se sabe sobre como ele funciona em pacientes mostram que não apenas os inibidores da BTK diminuem a inflamação, mas podem fazer isso sem comprometer a capacidade do sistema imunológico de um paciente responder para o vírus.
“A ciência aqui está certa”, diz Byrd. “Este é um vírus horrível e, para fazer a diferença contra a Covid-19, você precisa de um medicamento disponível imediatamente para impedir que os pacientes cheguem ao ponto de serem intubados.”
Twitter
Instagram
YouTube
LinkedIn
Baixe o app da Forbes Brasil na Play Store e na App Store.
Tenha também a Forbes no Google Notícias.