Como está a colheita de uvas pelo mundo

4 de setembro de 2020
Charles O'Rear/Getty Images

França sofre com o calor, África do Sul pena com coronavírus, e Califórnia tem problemas com incêndios florestais

Para quem já engravidou, para quem investe em um empreendimento e para quem trabalha com agricultura, a colheita é o momento mais esperado. Tudo é preparado para esse ápice onde, nem sempre, quando se planta se colhe.

Com um dos verões mais quentes desde que começaram as medições meteorológicas, na França, a colheita, ou “vendange” em francês, começou neste ano com antecipação histórica. Se a situação térmica continuar, em 30 anos, teremos 44°C em Paris. Em St. Julien, um produtor perdeu 25% da safra por causa do verão quente e seco.

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Em Bordeaux, eles começam com os crémants, espumantes que utilizam o mesmo método de produção do champanhe e, que tem oito apelações diferentes sendo elas: Bordeaux, Borgonha, Limoux, Die, Savoie, Jura, Loire e Alsace. Eles começam sempre antes dos brancos para manter o máximo de acidez nas uvas o que, para um espumante, é fundamental. As uvas usadas são as mesmas da apelação Bordeaux: cabernet sauvignon, cabernet franc, merlot, petit verdot e malbec; também carmenère para os crémants rosés; e semillon, sauvignon Blanc e muscadelle para crémants blanc des blancs.

Em Berjerac, a colheita começou em 15 de agosto, data que, na Itália, é Ferragosto, ou Feriae Augusti, criado pelo imperador Augusto para celebrar o trabalho duro na agricultura, e, a colheita tem sido em pleno período de férias e calor intenso. Não é muito agradável ter que fazê-lo com máscara.

Pandemia, crise, calor e ainda máscara. Este ano realmente é de luta.

Em Barsac, o Château Climens, famoso por seu vinho doce, desde 2018 produz um branco seco 100% sémillon. Eles usam oito hectares dos 30 que possuem e, começaram a colher 12 dias antes se comparado a 2019. A sémillon tem que ser colhida cedo para manter a acidez e as notas cítricas. Quando é para fazer o vinho doce, elas são colhidas bem mais pra frente, quase que uva por uva, às vezes, pois elas são afetadas pelo botrytis, um fungo que faz microfuros na casca da uva fazendo com que a água dentro dela evapore e esta fique concentrada de açúcar.

Ah, será genial quando realmente entendermos a natureza e, juntos colaborando teremos resultados com um vinho doce. Uma uva, um fungo e a mão do ser humano criando a perfeição entre doçura e acidez, o equilíbrio tão desejado por todos!

Annabelle Grellier, diretora de exportação do Château Palmer, diz que a colheita será por volta de 10 de setembro. “Estava muito quente, mas as trovoadas trouxeram um pouco de água e deu uma aliviada para as vinhas”, diz. “A logística está mais complicada por causa da Covid, mas faremos testes em todos e estamos equipados com máscaras, álcool em gel e todos os procedimentos de segurança. Fecharemos para todas as visitas e esperamos, assim, concentrar com eficácia esse momento tão importante e esperado”, diz.

Na Borgonha idem, ano mais cedo desde 2003, historicamente um dos mais quentes. Produtores como Fichet, em Igê lá embaixo ao sul perto de Mâcon, iniciaram a colheita em 12 de agosto, e Mâconnais também iniciou cinco dias mais cedo que ano passado. No norte da Borgonha, mais frio, as vindimas começaram entre 22 e 25 de agosto.

Dando uma pincelada pelo mundo, no Chile, caiu 13% a produção 2020. Na Espanha, em meio de julho já se colhia uvas nas Canárias, Ibiza e Montilla-Moriles –dez dias mais cedo que 2019 mas, positivamente, com um aumento de 14% na produção. Vamos lembrar deste dado: nem tudo está perdido, e os Riojas, são uma das maravilhas do mundo do vinho.

A África do Sul parece ser uma das regiões mais afetadas. O lockdown foi severo e a proibição de venda de álcool arrasou a indústria. Mais de 80 vinícolas e 350 produtores de uvas estão deixando o mercado, com uma estimativa de 21 mil empregos perdidos, segundo Wanda Augustin, da Vinipro.

As importações de tudo que estrutura a indústria do vinho, como rolhas, cápsulas, aditivos, garrafas e rótulos, foram reduzidos ao mínimo ou nada. Existe uma recuperação, sempre, mas muitos ficarão pelo caminho.

De volta aos ganhos, a colheita da Nova Zelândia foi considerada essencial. Provavelmente pelo vinho ser o 6º maior produto exportado do país. Entre os destinos da produção, Estados Unidos estão em primeiro lugar, seguido do Reino Unido, Austrália, Canadá e Alemanha. Com vantagem, a colheita teve condições climáticas favoráveis e um aumento de 2% na produção.

A Califórnia só se sente na pele. Ou no nariz, com tanta fumaça e péssima qualidade do ar. Os viticultores estão tensos, em uma corrida para ver o que se salva. Ao contrário do pavoroso incêndio de 2017, que foi no final da colheita, onde a maioria já tinha acabado, este veio no começo.

Brancos se salvam, pois, a fumaça impregna na casca: os vinhos brancos são prensados, a casca fica fora do contato com o sumo. Provavelmente, haverá um aumento nos rosés, mas os tintos… Ah, esses serão reduzidos. Pinot noir é a uva mais afetada pois, como seu amadurecimento antecede o da cabernet sauvignon, a casca fica mais porosa e absorve o aroma da fumaça. Muitos produtores estão fermentando para ver o que sai, não custa tentar.

Hélène Mingot, enóloga da Eisele Vineyards, que é biodinâmica, correu para colher seu sauvignon blanc e está tensa pelo cabernet. “Ao menos não temos tanta fumaça por aqui e o sauvignon blanc está muito aromático”, ela conta, dizendo que o controle da Covid vai ser tranquilo, pois não há muita gente de fora: “Vamos ter um relógio de controle de tempo para troca da máscara a cada quatro horas”.

Muitas vinícolas terão sua safra condenada, algumas não terão opção financeira e farão um vinho defumado e, algumas terão respaldo financeiro para dizer que o vinho está intragável. A verdade é que tem aqueles que precisam sobreviver, vamos tomar vinho com cinza e tudo, afinal, das cinzas às cinzas. Triste, mas, é a realidade desse lugar maravilhoso que obviamente tem seu calcanhar de Aquiles, como todos os outros.

Em Champanhe, a colheita adiantou em 14 dias nos últimos 20 anos. Com um deslocamento de 100 mil pessoas para a região na colheita, o controle da Covid gera uma maior preocupação logística neste ano. Calor e Covid. Trabalho pesado e máscara num calor de 36°C a 38°C. Mede temperatura, gel na mão, usa máscara, troca máscara, nada dos almoços e jantares tradicionais de confraternização após o trabalho duro. Pelo menos ele bebem champanhe!

Em situações difíceis, sempre lembro do filme “A Vida É Bela”, Roberto Benigni. Na obra, um homem transforma a vida com o filho em uma grande brincadeira mesmo durante a Segunda Guerra Mundial. Vale assistir para termos uma diferente perspectiva. Nem que seja no filme!

Em Champanhe, as leis são bem rígidas, eles determinam o dia que começa a colheita em cada microrregião. Determinam também a quantidade a ser colhida. Neste ano, 8.000 quilos por hectare. Em 2019, foram 10,2 mil, segundo a L’Union des Maison de Champagne. O objetivo é gerenciar o mercado, mas quando uma decisão é feita pensando no grupo, nem todos ficam felizes.

Com a Covid, os grandes produtores foram os mais afetados tendo queda de até 25% no faturamento. Os que tentavam um lugar ao sol, mas não tinham sustância, evaporaram, e para os pequenos produtores de excelentes vinhos não mudou muita coisa, pois estes ativaram sua venda direta, que é gerenciável, proporcionalmente. “Champanhe passa por uma mutação e se concentra em seus vinhedos ricos e históricos”, diz Raphael Bérèche, da Bérèche et Fils, em Ludes, na região de Marne.

Com tudo isso, podemos dizer que o estoicismo cabe. Filosofia helenística fundada por Zeno de Citium, em Atenas, ele prega a ética pessoal baseada na lógica e as suas visões do mundo natural. O caminho da eudaimonia (felicidade ou benção) é encontrada na aceitação do momento como ele se apresenta, não se deixando controlar pelo desejo de prazer, medo ou dor e usando a sabedoria para entender seu papel em um plano maior e, assim, trabalhando juntos e tratando os outros com justiça e gentileza.

Súper fácil falar, escrever e tal, mas, quem sabe, martelando funciona?

Tchin tchin!

Carolina Schoof Centola é fundadora da TriWine Investimentos e sommelière formada pela ABS, especializada na região de Champagne. Em Milão, foi a primeira mulher a participar do primeiro grupo de PRs do Armani Privé.

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