Às que vieram antes

25 de julho de 2020
GettyImages/ Buda Mendes

Além de compositora e expoente do samba carioca, Dona Ivone Lara foi assistente social e enfrentou a precariedade do sistema psiquiátrico no Brasil

Em 25 de julho comemora-se o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e o Dia de Tereza de Benguela. Ambas histórias, além da dor em comum, evidenciam o quanto há de protagonismo das mulheres negras em construir, gerenciar e potencializar negócios e novas atividades que norteiam nossa sociedade atualmente.

Impossível, portanto, começar uma coluna em um mês tão simbólico e não falar de mulheres negras que transformaram a forma como negociamos, vendemos e produzimos aqui no Brasil.

As Quitandeiras, mais representadas pela imagem das Baianas, mas que estiveram presentes em todo o Brasil, deixaram seu legado no comércio de rua ao se tornarem as primeiras empreendedoras que o Brasil teve. Elas vendiam e produziam de alimentos a acessórios, além de prestarem serviços e muitos etcs. Muitas delas eram responsáveis por administrar financeiramente recursos para pagar a alforria de seus familiares ou grupos de pessoas escravizadas, ao ponto de terem fundado associações com este fim.

Se levarmos em conta que o comércio de escravos foi o que enriqueceu muitas famílias que são consideradas abastadas hoje, ou que detêm recursos financeiros suficientes para realizar investimentos de qualquer cunho, sejam eles de venture capital, fundos imobiliários, renda fixa ou ações, com toda certeza estas mulheres Quitandeiras participaram da construção destes recursos.

Aqui também podemos considerar todas as riquezas que foram exportadas e que hoje fazem parte do legado que o continente africano e a diáspora deixaram pelo mundo afora – muito se deve à construção cultural, científica, arquitetônica, de desenvolvimento econômico e, principalmente, tecnológica que vem desde a construção da escrita, matemática, astrologia, física e medicina, criados por homens e mulheres guerreiros que transformaram o mundo com sua inteligência.

Adiantando a história, o que seria da festa mais conhecida do mundo sem as primeiras rodas de samba, simbolizadas pela Tia Ciata, cozinheira, Mãe de Santo e que se tornou uma das figuras notáveis no surgimento do samba?

Eu, particularmente, amo a história de Dona Ivone Lara, compositora e expoente do samba carioca, que, além de fazer história na cultura brasileira, também foi assistente social, ao lado da psiquiatra Nise da Silveira, enfrentando, ambas, a precariedade do sistema psiquiátrico no Brasil.

No âmbito da educação e dos meios de trabalho, trago Luana Tolentino com suas pitadas amorosas de conscientização nas redes sociais jogando luz no fato de que a escola pode ser um lugar tão racista quanto qualquer outro, e que as crianças negras possuem o primeiro contato com esta violência justamente neste ambiente. E Cida Bento, referência da minha profissão, psicóloga que criou um centro de referência, o CEERT, que pauta a necessidade de ações efetivas no âmbito educacional e do trabalho.

Sueli Carneiro chamou minha atenção quando li seu livro “Escritas de uma Vida”, no qual, já em 2012, ela afirmava, com dados, que em ambientes corporativos onde há diversidade de raça e gênero há maior probabilidade de lucro. Esta é uma informação que é muito usada depois que uma grande consultoria norte-americana fez o mesmo estudo – somente em 2017 – que acabou se tornando a principal fonte de consulta das empresas. Além deste magnífico feito, Sueli é responsável pelo Instituto Geledés, o mais antigo no atendimento de saúde física e mental especificamente para mulheres negras.

Seguindo a linha dos direitos das mulheres negras, faço referência aqui à Doutora Claudia Luna, jurista responsável por diversas ações de combate ao racismo, tráfico de pessoas e proteção às mulheres.

Na literatura, como não lembrar de Maria Firmina dos Reis, primeira pessoa brasileira a escrever um romance, além de Maria Carolina de Jesus, Jarid Arraes, Conceição Evaristo e Djamila Ribeiro? Como ignorar as escritoras que mais vendem livros na atualidade?

E volto ao tema comercial, chamando atenção para Adriana Barbosa, fundadora da Feira Preta, que inspira outras feiras no ambiente de economia criativa, gerando diversas oportunidades para se reinventar a valorização da cultura afro-brasileira.

E, por falar em oportunidades, a tecnologia que habita em mim saúda a tecnologia que habita em você e nos concede lugar de descoberta e reverência às mulheres negras que fazem a diferença nestes espaços cibernéticos, nos quais a invisibilidade é histórica e a exclusão é extremamente prejudicial. Basta pensar que as máquinas estão sendo treinadas desde a classificar o que é bonito ou feio, a identificar infratores, mantendo a lógica de extermínio da população negra, até a determinar o que é apropriado ser dito e consumido em redes sociais.

Mulheres negras como Silvana Bahia, Daniele Monteiro, Monique Evelle, Bia Michelle Miranda, Ana Carolina da Hora, Desiree Santos, Maria Rita Casagrande, Barbara Paes, Ariane Cor, Alessandra Gomes, Daniela Andrade e Akin Bakari, único homem mencionado, mas que está aqui como referência aos homens trans que são sistematicamente inviabilizados.

Posso ficar aqui mais e mais tempo citando e contando diversas histórias incríveis, mas farei isso durante minha jornada, evidenciando feitos de pessoas negras que, em sua grande maioria, passam uma vida sem ver referências suas nos meios de comunicação de tamanha abrangência.

Maitê Lourenço é fundadora e CEO da BlackRocks Startups, que incentiva os negros a acessarem ecossistemas inovadores e de tecnologia.

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