-
Siga a Forbes no WhatsApp e receba as principais notícias sobre negócios, carreira, tecnologia e estilo de vida
Evitar atropelos, aliás, é algo que Grazi tem navegado com habilidade na construção de uma carreira multifacetada. Com formação em design de futuros e dissertação focada na inclusão de mulheres negras na tecnologia, ela é diretora de diversidade e inclusão na multinacional de software e consultoria Thoughtworks, e também exerce uma série de outras atividades movida pela sua crença em um porvir plural e que contemple a todos.
Leia também:
- Rumo Futuro: Genesson Honorato discute o hackeamento da atenção humana
- Você não recebe respostas dos processos seletivos? Veja o que fazer
- 6 tecnologias que o BBB já testou em mais de 20 edições
Esta atuação inclui frentes como o Voa Papagaio, cursinho popular com foco na inclusão da juventude periférica nas universidades. Fundado por Grazi para inicialmente atender a comunidade do Morro do Papagaio, em Belo Horizonte, o projeto ganhou escala nacional através de uma parceria com a Central Única das Favelas (CUFA). Além disso, a executiva atua na iniciativa Pacto de Promoção da Equidade Racial, da qual é membra fundadora, com o objetivo de promover a equidade racial no mercado de trabalho.
“A lente de futuros desejáveis não se condiciona ao que já aconteceu. Ela subverte as fronteiras do possível para além daquilo que a gente consegue perceber agora”, explica a especialista. Segundo Grazi, isso tira a discussão de futuros da adivinhação do que virá, e traz o debate sobre o potencial de mudança para a construção de dias melhores.
“[Esta abordagem] tem uma conexão muito forte com o que considero ser uma ferramenta de planejamento essencial – e extremamente humana – que é a nossa capacidade de sonhar e sonhar realidades preferíveis”, frisa.
Em entrevista à Rumo Futuro, Grazi Mendes falou sobre novas formas de imaginar e construir futuros.
Veja, a seguir, alguns dos melhores momentos da conversa:
Grazi Mendes: Trend reports, listas de megatendências e coisas do tipo me incomodam, porque são modelos que questionam muito pouco se vale a pena construirmos esses cenários futuros, quem se beneficia com esses cenários, quem fica de fora deles. E principalmente, quais esforços precisamos fazer para mitigar o que é negativo em relação a essas projeções, e como construir realidades melhores para mais pessoas.
É preciso implementar a ideia de construir “futuros onde caibam mais futuros”. Qualquer pessoa que se propõe a estar nesse lugar de estudos de futuros ou em espaços de liderança e detém o poder da caneta precisa construir uma conexão muito forte com o seguinte questionamento: será que estamos construindo um futuro que vale a pena ser vivido? E essa direção precisa ser combinada coletivamente, para que possamos quebrar padrões que não fazem mais sentido, criar novos padrões que vão nos levar para lugares melhores, desenvolver uma abordagem mais coletivista dessa imaginação de futuros.
Neste contexto, o sonho é usado como uma ferramenta essencial. Os futuros desejáveis nascem dessa ideia de sonho – e ao longo da nossa história e ancestralidade, vemos muito a narração de sonhos coletivos. Se a gente começar a narrar mais esses sonhos, quem sabe muitas coisas bonitas podem começar a ser construídas, já que estes futuros vão incorporar narrativas múltiplas.
RF: Dada a importância do coletivo na criação deste futuro desejado, quais ações individuais uma pessoa pode tomar para se movimentar neste sentido?
GM: Primeiro, é importante não cair na falácia de achar que vamos mudar o mundo individualmente, de que se eu me esforçar eu vou conseguir fazer tudo sozinho. As mudanças mais significativas, essas que a gente está precisando dada a complexidade que está imposta a nós, só vão acontecer no plural. Precisamos nos juntar com mais pessoas, com organizações que têm raios de atuação mais amplos do que os nossos para fazer mudanças na estrutura. Falo de mudanças que não estão à mercê de uma crisezinha, que são mais perenes e muito mais conectadas com a ideia desse futuro melhor, mais sustentável, e são apoiadas por sonhos longevos que nos movimentam.
Por outro lado, temos as micropolíticas do cotidiano, o entendimento de “quem é você na fila do pão” – que é fundamental. Muda-se a mente mudando a estrutura, e muda-se a estrutura mudando a mente: essas coisas acontecem ao mesmo tempo, digamos. Há um lugar subjetivo, em que é preciso entender quem sou dentro dessa estrutura, e também as correlações que estão estabelecidas.
A partir da conscientização do seu lugar na estrutura, é preciso pensar nas decisões que você está pautando e financiando. Desde as micro-decisões diárias, até as que estão conectadas ao cargo que você ocupa. Por exemplo, se você pensa em trazer vozes para espaços [de poder], quantas dessas vozes são plurais e diversas? As temáticas que você apoia ampliam percepções do mundo? São auto-reflexões que podemos fazer, mas as coisas só avançam se [o indivíduo] estabelecer uma conexão com a visualização de um futuro coletivo melhor.
RF: Como é possível ser uma pessoa operadora de mudanças para o futuro e ao mesmo tempo enfrentar desafios como o machismo, racismo e outros comportamentos que podem inviabilizar a ação conjunta a que você se refere?
GM: Uma das atitudes que podemos ter diante da realidade tão dura que vivemos pode incluir [conclusões como]: os problemas são grandes demais, quem sou eu para [mudar] isso. [Este posicionamento] pode nos colocar em uma inércia muito grande, ou trazer um pessimismo excessivo em relação às possibilidades. Falar de uma sociedade sonhada não é trivial e nem fácil. Preciso fazer esse exercício permanente para levantar todos os dias e continuar fazendo as coisas que faço: o trabalho diário, combinado a uma agenda mais intencional para trazer este reparo permanente, e estes questionamentos norteadores.
Ao mesmo tempo, um olhar excessivamente focado no que está colocado agora também pode diminuir a nossa potência, porque a gente deixa de sonhar e esperançar realidades não colocadas. Por isso me conecto muito com a lente de futuros desejáveis, que parte do que sonhamos ser, mesmo que a realidade colocada ou o passado experimentado tenham sido duros, difíceis. É sobre uma noção de que o passado é tutor, [e a capacidade de pensar sobre] o que a gente aprendeu com o que fizemos até aqui.
Mas o presente sobre o qual falamos precisa ser permeável por presentes que, muitas vezes, estão invisibilizados. Enquanto falamos sobre inteligência artificial, tem uma galera que sequer pode lidar com seus próprios dejetos no Brasil, e não é um percentual pequeno.
Tendo dito isso, como a gente coloca esses presentes invisíveis na mesa para nutrir nossa indignação, e nos mover em direção às mudanças, ao invés de achar que a nossa visão de mundo corresponde à realidade completa sobre as coisas? Precisamos fazer um resgate fundamental dessa capacidade de imaginar possibilidades melhores, que nascem a partir da nossa capacidade de sonhos coletivos.
GM: É preciso entender que é uma conversa sobre continuidade, e que este debate já acontece há bastante tempo. A principal tecnologia usada pela natureza para se manter viva é a diversidade. Diversidade é fato, não é pauta.
Mas não estamos falando sobre diferenças, a discussão é sobre manutenção de status quo, dinâmicas de poder, e talvez por isso esta pauta não avance tanto, já que informações, números, comprovação da potência da diversidade existem. Percebo que existe uma vontade de falar de diversidade, mas não de mexer nas dinâmicas de poder. Acredito que a guerra [contra a desigualdade] é uma só, e ou você está de um lado, ou está do outro. E se você está do lado que apoia a ideia de uma sociedade mais justa, vai precisar rever seus privilégios. E não existem aliados nesse lugar, porque você não pode [combater a desigualdade] a seu bel prazer, ou quando for conveniente.
Vamos precisar repactuar muitas coisas, construir uma sociedade menos desigual, porque isso afeta a todos nós em uma série de dimensões. Mas não acho que seja possível convencer uma pessoa de que ela precisa rever os seus privilégios e entrar numa luta coletiva por uma sociedade mais justa. Pessoas que estão acostumadas com seus espaços de poder – que na verdade são câmaras de eco, porque elas estão convivendo com pessoas iguais, o tempo todo – têm uma visão limitada da vida e não enxergam nada além de si mesmos, julgam tudo através de sua pequenez.
RF: Como você sugere que tanto indivíduos quanto empresas equilibrem suas metas de curto prazo com a visão de longo prazo necessária para a construção de futuros desejáveis?
GM: Navegando os tensionamentos entre a visão de longo e curto prazo, traduzindo isso no que eu preciso fazer agora, daqui a pouco e logo mais, nesse cabo de guerra entre entregas imediatas e a nutrição de uma visão alongada do tempo.
Isso é desafiador, tanto da perspectiva individual quanto de negócios, onde se trabalha com base em resultados de quarters [trimestres]. Dificilmente boas ideias sobrevivem a dois balanços de trimestre negativos, por exemplo. Esse é um desafio que está posto: o excesso da visão de curto prazo nos trouxe uma série de problemas que agora estamos tendo que parar e endereçar. A COP recente, que trouxe discussões sobre vários riscos ambientais que estamos enfrentando, ilustra essa urgência.
Em Rumo Futuro, Angelica Mari acompanha os movimentos e ideias de pessoas que protagonizam a inovação e o pensar futuros no Brasil e além. Para sugerir histórias e dar seu feedback, entre em contato (info@angelicamari.com)
Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião de Forbes Brasil e de seus editores.