As nações que se reuniram na COP26 concordaram com cortes de 30% nas emissões de metano até 2030, e conter as emissões provenientes da indústria de combustíveis fósseis tornou-se uma prioridade. Essa promessa foi um passo positivo que definiu uma meta clara para o mercado. Porém, há uma questão: como promover as mudanças necessárias para a indústria de alimentos também atingir essa meta? A pesquisa da Rede FAIRR (Farm Animal Investment Risk & Return) sugere que as emissões de metano da produção de proteínas, ou do setor de carnes e laticínios, podem minar as ações para controlar o metano.
A FAIRR Network, que é respaldada por US$ 45 trilhões em ativos administrados, incluindo investidores como Aviva e Robeco, administra o premiado índice “Coller FAIRR Protein Producer”. O projeto acompanha o desempenho dos principais produtores de carne e laticínios que abastecem empresas como McDonald’s, KFC e Carrefour. Infelizmente, seu último relatório alerta que, apesar dos bolsões de liderança e inovação, o setor da pecuária está despreparado para a década de transição nas mudanças climáticas e corre o risco de parecer “desatualizado e pouco atraente”.
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Jeremy Coller, presidente da rede, diz: “Atividade humana e desmatamento são grandes impulsionadores de metano, porém, os embates estabelecidos na COP26 entregaram uma grande fatia dessa responsabilidade ao setor de alimentos e agricultura… porque falhas do controle de metano na gestão dos dejetos animal sublinham a crescente sensação no mercado de que as vacas são o novo carvão” [o autor se refere à pecuária extremamente intensiva na UE e Estados Unidos, por exemplo]. Aarti Ramachandran acrescenta: “A pesquisa da FAIRR mostra que 9 empresas de carnes e laticínios agora rastreiam as emissões diretas de metano — no entanto, a maior parte das emissões do setor (70% para cima) vem de atividades da cadeia de abastecimento, e atualmente não há muitos relatórios com foco nessa área. Mas, assim como o gerenciamento das emissões de CO2 evoluiu nos últimos 10 anos, o gerenciamento do metano também evoluiu. Precisamos de mais empresas rastreando em toda a cadeia de abastecimento e colocando em prática planos para reduzi-lo.”
As emissões anuais de metano da pecuária global são estimadas em 44% das emissões antropogênicas globais e a FAIRR estima que seria necessária uma floresta cobrindo cerca de três quartos da América do Sul para sequestrar o metano. Aarti Ramachandran afirma: “O metano tem aumentado constantemente ao longo de 30 anos — o sexto relatório de avaliação do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) destacou um aumento de 25% nas emissões da fermentação entérica e dejetos, desde os anos 1990, principalmente devido ao aumento do número de rebanhos. Em menos de 9 anos, precisamos dobrar a curva, atingir o pico de metano e realizar uma redução de 30%. Essa é uma grande pergunta e precisa de reformas imediatas.”
O Índice cobre as maiores empresas produtoras de proteína listadas publicamente, que por sua vez possuem muitos dos 70 bilhões de animais de criação do mundo, entre bovinos, suínos e aves. A análise mostra que poucas empresas agiram na escala necessária. Apenas 18% dos produtores globais de carne e laticínios rastreiam as emissões de metano, apesar do setor contribuir com cerca de 44% do metano antropogênico global. Isso significa que fornecedores de gado como McDonald’s, Nestlé e Tesco estão atualmente minando as promessas da COP26 sobre metano e desmatamento, mesmo sem saber onde e como.
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Além disso, 42 de 45, ou 93%, das empresas de carnes e laticínios que compram soja (para ração animal) de áreas de alto risco de desmatamento, como o Cerrado, ainda não têm uma política para mitigar o desmatamento em todas áreas de abastecimento. Isso inclui marcas de alto perfil, como a filipina San Miguel e a brasileira Minerva.
Há uma preocupação crescente dos investidores de que a falha em responder às mudanças do mercado global em emissões e ação climática, particularmente em setores com uma grande pegada de carbono, possa resultar em custos inesperados, um perfil de risco crescente ou mesmo resultar em ativos ociosos em grande escala. O FAIRR calculou, por exemplo, que um imposto de carbono previsto (de US$ 53/tonelada) até 2050 aumentaria os custos para as empresas de carne bovina em até 55% do EBITDA médio atual. Dada a tendência no preço do carbono, e que os futuros do carbono europeu atingiram quase US$ 82 em novembro, esta é uma preocupação significativa. Entender seu perfil de emissões se tornará um requisito econômico e estratégico para muitas dessas empresas.
O que torna a leitura da pesquisa particularmente incômoda é que isso significa que as empresas fornecedoras de carne que fizeram promessas de desmatamento zero ou NET zero, como os fornecedores do McDonald’s, JBS e Marfrig, não podem realmente fazê-lo. Não porque não queiram, mas porque ainda não têm visibilidade total do impacto desses fornecedores indiretos. A Marfrig informou ainda que 53% de suas compras de gado na Amazônia vieram de fornecedores indiretos, que podem ser responsáveis por até 90% do desmatamento com origem na compra de gado.
A Nova Zelândia, a Irlanda e o estado da Califórnia estabeleceram metas de redução de metano cobrindo pelo menos 10% do gado até 2030. Mas como isso pode ser alcançado sem uma compreensão detalhada dos perfis de emissões na cadeia de abastecimento e monitoramento e verificação transparentes da atividade? Nenhuma emissão líquida zero ou promessa de desmatamento pode ser cumprida sem uma compreensão de onde as emissões estão na cadeia de valor.
Nem todas as notícias são ruins, pois algumas melhorias podem ser vistas. Das empresas do Índice, 13% definiram metas de redução de emissões com base científica, ante 7% em 2020, enquanto 20% definiram metas de zero líquido, acima dos 7% em 2020. E a avaliação das empresas sobre o tema está aumentando: 18% dos membros do índice concluíram uma análise de cenário relacionada ao clima, ante 3% no ano passado. Também houve uma ação mais positiva em proteínas alternativas, com quase metade de todas as empresas do Índice tendo alguma exposição, dobrando o valor de apenas ¼ registrados em 2019. Sete empresas de carnes também relataram investimentos em carne cultivada. A Thai Union formou parcerias com a empresa de criação de carne Aleph Farms e a criadora de frutos do mar de cultura BlueNalu Inc, por exemplo. Enquanto isso, a JBS entrou no espaço com um investimento de R$ 746 milhões (£100 milhões) na aquisição de uma empresa espanhola de carnes cultivadas e um centro de P&D de carnes cultivadas.
O financiamento privado tem um papel a desempenhar na condução da transformação do setor. Mas, como diz Eugenie Mathieu, analista sênior da Aviva Investidores, “a última pesquisa da FAIRR mostra até onde o setor de alimentos deve ir. Entre os maiores fornecedores mundiais de carne e laticínios, 86% ainda não estão conseguindo definir metas significativas de redução de emissões, o que é extremamente ruim, visto que eventos climáticos extremos estão afetando cada vez mais os resultados financeiros dessas empresas. [Mas] os investidores podem fazer a sua parte exigindo que os produtores de proteína animal dos quais se abastecem se apresentem e façam a mudança acontecer mais rapidamente. “Há ação, mas ainda é tão lenta que governos, sociedade civil, ativistas e investidores precisam apertar o passo e terem como preocupação o alto nível de exigência do mercado.”
Em termos de ESG, é claro, não se trata apenas de questões de metano e desmatamento a serem tratadas no setor agrícola. Questões relacionadas à criação de animais, como uso e resistência a antibióticos, bem-estar animal, resíduos e poluição, uso de água, segurança alimentar, condições de trabalho e destino dos dejetos, todas precisam ser consideradas. Nos dejetos, por exemplo, o volume de esterco produzido pelos 70 bilhões de animais criados em fazendas no mundo todo equivale ao dobro das fezes de toda a população humana – o que, claro, libera metano e ameaça tanto a biodiversidade quanto a saúde humana. Apesar disso, 88% não divulgaram ou têm compromissos sobre poluição por esterco. Usando metodologias desenvolvidas por acadêmicos, a FAIRR calculou que os animais processados pela Tyson Foods, sediada nos Estados Unidos (cerca de 2 bilhões por ano) sozinhas, produzem tanto excremento quanto toda a população dos Estados Unidos.
A pecuária e o setor de alimentos estão começando a enfrentar pressões semelhantes às do setor de energia há algumas décadas. O desafio aqui não é apenas que o setor está desagregado, mas ninguém parece realmente entender como ou onde lidar com as emissões. Essa não é uma lacuna que pode continuar se o mundo quiser atingir a meta de redução de emissões de 45% até 2030, uma meta necessária se quisermos manter o zero líquido à vista para 2050. Como diz Aarti Ramachandran, “as empresas precisam urgentemente estabelecer metas de redução de emissões com base científica que levem em consideração as emissões do escopo 1, 2 e 3. Sem visibilidade e transparência em toda a cadeia de abastecimento, não será possível para as empresas provar que estão cumprindo a meta.”
*Felicia Jackson é colaboradora da Forbes EUA e fundadora da The Net Imperative Ltd e New Energy Finance (mais tarde comprada pela Bloomberg). É autora de Conquering Carbon: Carbon Emissions, Carbon Markets and the Consumer, jornalista e professora na Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres.