A revolução alimentar: o futuro já está na sua mesa

31 de janeiro de 2022
Getty Images

Nutrição individualizada e que contribua para aumentar a imunidade são tendências que chegam à despensa

Quais são as novas premissas, os novos questionamentos, os novos padrões levados à mesa? E como a produção no campo, seu processamento na agroindústria e a entrega ao consumidor devem responder às novas demandas? Em um cotidiano ainda (e não se sabe até quando) pautado pelos desafios da pandemia, jogar luz sobre a cultura alimentar e toda a cadeia em torno dessa necessidade básica tem mobilizado lideranças em todo o mundo.

“A ciência e a tecnologia pioneiras são essenciais para o desenvolvimento da próxima geração de alimentos, bebidas e suplementos saudáveis e nutritivos para uma população em crescimento”, diz com exclusividade à Forbes June Lin, vice-presidente global de marketing, health e wellness da Archer Daniels Midland Company (ADM), uma das maiores multinacionais da indústria de transformação do alimento, com sede em Decatur, Illinois (EUA), cidade que na primeira metade dos anos 1900 processava 33% de toda a soja produzida no mundo (daí a alcunha de “capital mundial da soja”).

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Mas Lin, que nas duas últimas décadas passou por companhias como Lonza, Catalent, Church & Dwight, Matrixx, Pepperidge Farm, Revlon e PwC, não fica na sede da empresa. Seu quartel-general está a 950 quilômetros de Decatur, em Cranbury, no estado de New Jersey, próximo a Nova York, em uma das salas do ADM Customer Creation and Innovation Center.

Aberta em 2016, a unidade é um complexo idealizado para permitir que os clientes da ADM se envolvam nos processos de desenvolvimento de novos produtos e aplicações. Partiu de lá o mais recente movimento para entender o futuro da alimentação.

A cultura alimentar, com tendências que já vinham se desenvolvendo em um ritmo mais rápido do que há uma década, agora, com a pandemia, exige leituras mais complexas. Ciente disso, a ADM compilou uma pesquisa global e, a partir dela, identificou cinco mudanças contínuas de comportamento que estão inspirando inovações e criando oportunidades para a indústria de alimentos, bebidas e suplementos.

Em relação ao conceito de alimentação saudável, Lin explica que a pesquisa mostrou “que os consumidores estão muito mais sintonizados com suas necessidades de saúde e bem-estar”, e que as evidências dessa evolução já existiam antes da Covid-19. “Mas agora os consumidores estão adotando uma abordagem muito mais proativa para gerenciar seu bem-estar. Mais do que preferências, são mudanças de estilo de vida”, afirma.

As cinco tendências apontadas pela pesquisa são:

  1. as pessoas estão motivadas a melhorar sua saúde e bem-estar;
  2. elas buscam uma abordagem holística para gerenciar mente e corpo;
  3. a nutrição personalizada é um objetivo pessoal;
  4. a imunidade corporal entra no radar como perspectiva proativa;
  5. indulgência proposital é a nova “indulgência permissível”, lembrando que a palavra “indulgência” significa disposição para perdoar culpas ou erros.

O relatório da ADM parte de um compilado de vários estudos, pesquisas e outros dados apurados entre janeiro e junho de 2021 pela inglesa FMCG Gurus, empresa especializada em mapeamento de tendências sobre comportamentos dos consumidores nos mercados globais de alimentos, bebidas e suplementos.

Em nível global, por exemplo, de acordo com a pesquisa da FMCG, 60% dos consumidores estão planejando melhorar sua saúde geral e bem-estar nos próximos 12 meses. “Acreditamos que essas cinco mudanças persistirão, cada uma demonstrando mudanças no comportamento dos consumidores e indicando oportunidades futuras para a indústria de alimentos, bebidas e suplementos no período pós-pandemia”, afirma Lin.

A pesquisa tem fundamento em um mercado de demanda garantida, no qual a performance da empresa não deixa dúvidas. A partir de 270 fábricas em todo o mundo, onde cereais e oleaginosas são transformados em inúmeros produtos utilizados na alimentação, em bebidas, em alimentos prontos e em ração animal, o faturamento global da ADM em 2020 foi de US$ 64,36 bilhões, um aumento de 7,44% em relação a 2019.

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No lucro, a empresa galgou esferas mais altas: cresceu 28,5%, com o caixa indo a US$ 1,77 bilhão. A ADM tem 39 mil funcionários. O “primeiro” deles, o CEO global Juan Luciano, no cargo desde 2014, disse aos investidores no fechamento de 2020 que a empresa “está pronta para liderar em três grandes tendências: segurança alimentar, saúde/bem-estar e sustentabilidade”.

Na América do Sul, onde a ADM está há duas décadas presente na Argentina, Brasil, Chile, Paraguai, Peru e Uruguai, sua cadeia de agronegócios comporta originação, processamento de soja, girassol, entre outros grãos, mais biodiesel, fábricas de óleos comestíveis, ingredientes para a indústria alimentícia, aromas, bebidas, além de seis terminais portuários, dos quais três na Argentina, dois no Brasil e um no Paraguai.

Em 2018, por exemplo, a ADM investiu US$ 250 milhões para construir em Campo Grande (MS) a maior fábrica de proteínas de soja da América Latina, com capacidade de produção de 50 mil toneladas por ano.

Para a primeira das tendências de consumo, que aponta interesse individual na melhoria da saúde e do bem-estar, um recorte para o mercado sul-americano (que a ADM considera do México para baixo) mostra que 91% dos consumidores estão dispostos a comer e beber de maneira mais saudável, enquanto 43% dizem que estão tentando perder peso.

Ou seja, “produtos projetados para otimizar a saúde física e o bem-estar mental em todas as fases da vida ajudarão os consumidores a protegerem a si mesmos, suas famílias e comunidades”, relata a pesquisa. A proteção, como estratégia de gestão social, está registrada na mesma intervenção aos investidores, quando Luciano afirma que “até o final de 2022 a ADM espera obter rastreabilidade total em suas cadeias de abastecimento direta e indireta de soja no Brasil, no Paraguai e na Argentina”, sendo que até 2030 o objetivo é ter cadeias de abastecimento livres de desmatamento no mundo todo.

O sentido da vida

Na sequência, as três tendências mostradas na pesquisa – abordagem holística para gerenciar mente e corpo, a nutrição personalizada como objetivo pessoal e a perspectiva de uma imunidade corporal proativa – reforçam o rumo dos investimentos da multinacional.

Não por acaso, o negócio Nutrition segue em forte trajetória ascendente: no ano passado, o resultado da divisão foi de US$ 574 milhões, um aumento de 37% acima de 2019. Na apresentação dos resultados, Luciano afirma a necessidade de “novas tecnologias para fazer parcerias com os clientes e trazer novos produtos e soluções ao mercado”.

Os resultados mais recentes vieram, justamente, pela demanda firme por saborizantes e pelo crescimento do consumo de carne à base de plantas, além das fortes vendas de probióticos. Os probióticos são considerados alimentos funcionais por terem, além de vitaminas e minerais, leveduras e bactérias boas, segundo a definição da Organização Mundial da Saúde.

Presente em alimentos frescos, lácteos, cápsulas e sachês, a pesquisa agroindustrial trabalha para inserir as tais bactérias do bem de forma adequada em sorvetes, chocolates e sucos de frutas. A pesquisa da ADM mostrou que “75% dos consumidores sul-americanos estão mais preocupados com a imunidade” desde o início da pandemia e que eles vêm procurando maneiras de incorporar soluções de suporte à função imunológica, como probióticos e vitaminas C e D em suas dietas.

“Os consumidores procuram alimentos e bebidas que oferecem benefícios nutricionais e benefícios funcionais adicionais. Tudo em formatos convenientes para ajudar na transição de volta para a agitação das atividades diárias”, afirma Lin. “Equilibrar nutrição e atributos funcionais com bom gosto e conveniência será a chave para ganhar os consumidores no período pós-pandemia.”

As pesquisas da FMCG, para o recorte sul-americano, também mostram que 64% dos consumidores procuram por alimentos que melhoram o humor azedado pelo distanciamento social. “Podem ser sabores cítricos exóticos que trazem entusiasmo extra ao seu dia ou sabores e aromas calmantes, como baunilha, que os consumidores associam com conforto e autocuidado”, afirma Lin. Bebidas energéticas, por exemplo, podem facilmente incorporar ingredientes de origem natural e vegetal, criando sinalização de “energia” para os consumidores.

“Entre os consumidores sul-americanos, 72% dizem que estão interessados em alimentos e bebidas personalizados para atender às necessidades nutricionais individuais”, diz Lin.

Vale registrar que a população em questão é de 436,8 milhões de pessoas, das quais 85% estão em áreas urbanas. Desde o final dos anos 1980, essa população cresce em taxas anuais superiores a 2% ao ano, de acordo com o Countrymeters, uma plataforma de dados estatísticos estimados em tempo real.

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O Brasil é o principal mercado, com 215,2 milhões de habitantes e 2,72% da população global. A pesquisa da ADM aponta que “56% dos consumidores sul-americanos estão mais conscientes de seu bem-estar mental devido à Covid-19 e 65% estão escolhendo com mais frequência alimentos e bebidas funcionais”.

Lin explica que, embora a definição de “saudável” varie de pessoa para pessoa, os consumidores costumam associá-la a alimentos ricos em nutrientes. “Listas curtas que apresentam ingredientes simples e próximos da natureza são atraentes”, diz. “Produtos com atributos imunológicos e de apoio à microbiota e proteína adicionada também têm valor para aqueles que se esforçam em atingir objetivos específicos de saúde e bem-estar”, completa a especialista.

O investimento para a construção da fábrica de ingredientes em Mato Grosso do Sul está alinhado a todo esse cenário, com os alimentos plant based saindo da posição de nicho de mercado. No Brasil, segundo a agência Euromonitor, o movimento financeiro desse setor, nos últimos cinco anos, passou de US$ 48,8 milhões para US$ 82,8 milhões no ano passado.

A estimativa para 2025 é de um movimento da ordem de US$ 131,8 milhões no país, para produtos vegetais que têm seus sabores identificados com carnes, leites e processados. Tal ritmo está em sintonia com a média global. O mercado que demanda por carnes à base de plantas, avaliado globalmente em US$ 20,7 bilhões em 2020, deve ir a US$ 23,2 bilhões até 2024.

Não por acaso, Luciano também declarou aos investidores, na virada do ano, que a empresa espera um “rápido crescimento com o lançamento da PlantPlus Foods, uma joint venture com a Marfrig”, grupo frigorífico brasileiro entre os maiores do mundo, visando a oferta de alimentos de base vegetal não apenas na América do Sul, mas também para outros países.

As operações da joint venture começaram em maio, quando seus diretores estimavam um mercado global plant based de US$ 6,5 bilhões para este ano, chegando a US$ 25,5 bilhões em 2030 – as Américas devem responder por 42% desse total, o que representaria US$ 10,7 bilhões.

A principal feira do setor é a Plant Based World Expo North America, que em 2021 estava marcada para o período de 9 e 10 de dezembro, em Nova York; a segunda maior feira global, a Plant Based World Expo Europe, no ano passado estava agendada para Londres, nos dias 15 e 16 de outubro. “O mercado de produtos à base de plantas cresceu rapidamente nos últimos anos e ganhou ainda mais impulso durante a pandemia”, afirma Lin.

“Pensando nas cinco mudanças de comportamento de saúde e bem-estar que identificamos, é fundamental formular soluções à base de plantas que ofereçam uma variedade de alimentos e bebidas saudáveis em várias categorias.”

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Ingredientes vegetais para o mercado de lanches é outro dos nichos que a agroindústria tem mapeado em busca de “formatos convenientes” para atrair os consumidores. Segundo dados da Euromonitor 2020, a categoria de lanches saudáveis cresceu 7,9% na América Latina entre 2015 e 2019, com projeção de crescimento de 9,5% até 2024. “A praticidade dos lanches é um fator crítico para esse crescimento”, afirma Lin.

Para ela, o entendimento do que seja bem-estar holístico, incluindo suporte do sistema imunológico, bem-estar metabólico, saúde digestiva e bem-estar mental, fará parte de um vocabulário que tende a ser incorporado à cultura alimentar. O que remete ao quinto item da pesquisa: indulgência proposital é a nova “indulgência permissível”. Alimentos e bebidas indulgentes (os “pecadinhos” alimentares) fazem parte do novo conceito do que seja autocuidado.

Com a pandemia, 56% dos consumidores globais passaram a comprar alimentos reconfortantes regularmente. “Desfrutar de alimentos reconfortantes de vez em quando ajuda os consumidores a lidar com a saúde holística, que gira em torno da noção de que a mente e o corpo desempenham papéis iguais no bem-estar geral”, afirma Lin. “A ideia por trás da indulgência proposital é que desfrutar de alimentos reconfortantes ou guloseimas de uma forma calculada pode ajudar a manter o humor e o bem-estar emocional, ao mesmo tempo que atende às necessidades nutricionais.”

Na pesquisa, 64% dos consumidores globais relataram que não veem problema em desfrutar de guloseimas indulgentes como parte de uma dieta saudável. Entre os sul-americanos, o índice baixou para 56%. De qualquer forma, além de bebidas, lanches e plant based, produtos de confeitaria com benefícios funcionais estão na pauta da ADM. Para Lin, este “é um momento empolgante para a indústria”.

*Reportagem publicada na edição 91 da Revista Forbes Brasil