Isabela Chusid sentia falta de trabalhar com propósito. Depois de integrar a equipe comercial de grandes multinacionais, decidiu pedir demissão e investir naquilo que a movia: a sustentabilidade. Só não sabia como nem por onde começar. Aos 23 anos, criou a Linus, marca de sandálias sustentáveis 100% recicláveis, após usar a própria dor – literalmente, ela sofre de uma condição ligamentar nos pés – como inspiração. Menos de três anos depois, a marca cresceu 700% durante a pandemia, graças a uma maior busca por conforto que levou ao boom das sandálias slippers (até Kanye West lançou um modelo pela Yeezy, sua parceria com a Adidas). “Temos um produto versátil, que pode ser usado dentro ou fora de casa”, diz a empreendedora. No mês passado, as sandálias da Linus estavam nos pés das modelos do desfile de Carlton Jones, na Semana de Moda de Nova York.
Isabela não tinha o desejo de empreender e seguir os passos do avô, do pai e do irmão. Antes de criar a Linus, ela estagiou em empresas multinacionais dos Estados Unidos e do Brasil, com foco na área comercial, enquanto cursava Administração de Empresas na FGV (Fundação Getulio Vargas). Prestes a se formar, entrou no programa de trainee da Red Bull, também na área comercial, apesar de ter aplicado inicialmente para o marketing da empresa. “Eu achava que era tudo o que eu queria, que iria construir carreira em uma empresa gigante, de lifestyle, que tinha tudo a ver comigo”, relembra.
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Mas ela sentia falta de propósito. Decidiu fazer um curso de redação publicitária porque sempre gostou de exercitar o lado criativo e começou a fazer sessões de coaching. Logo no início, o mentor a aconselhou a deixar o emprego e usar o ócio criativo para buscar inspiração. Reconhecendo seus privilégios, que a permitiram viver confortavelmente sem um emprego fixo, Isabela se reencontrou com uma versão dela adormecida. “Já tinha passado pela indústria química e de bens de consumo, já tinha trabalhado para empresas nacionais e internacionais. Percebi que tinha chegado a hora de empreender. Nunca tive o desejo, mas estava no sangue”, afirma.
Na mesma época, foi diagnosticada com hiperfrouxidão ligamentar (disfunção nos ligamentos, tornando-os mais frágeis e flexíveis) após sentir fortes dores nos pés. A jovem, que trabalhava de home office, passava os dias descalça e, quando precisava sair, usava calçados sem salto, de solado reto, como chinelos de dedo e tênis Vans. Não encontrou no mercado peças que entregassem as três coisas que procurava: conforto e sustentação para os pés, design atraente e transparência nos processos produtivos. “Esse foi o meu grande clique para criar a Linus. Eu não queria abrir mão de nenhum atributo, principalmente da sustentabilidade. Por que eu não podia ter tudo o que eu queria em um produto só? E com pesquisa de mercado, descobri que não era a única”, aponta.
A forte conexão com a pauta da sustentabilidade já era um caso antigo. Questionadora desde a infância, quando aprendeu sobre reciclagem na escola, aos 4 anos, a empreendedora sempre buscou formas de mobilizar o seu entorno sobre o tema – como quando convenceu os moradores do prédio onde morava a adotar a coleta seletiva de resíduos. “A moda, hoje em dia, tem um grande problema: por ser tão rápida, acaba engolindo a si mesma. O sucesso é instantâneo e excessivo. Então, quando pensamos em sustentabilidade, o design precisa ser atemporal, versátil e agênero”, diz. A semelhança das sandálias da Linus com as clássicas Birkenstock não é uma mera coincidência.
As sandálias, feitas de plástico, foram projetadas por designers, engenheiros de material e ortopedistas. Elas são 100% recicláveis, veganas, compostas por 70% de fontes renováveis. “Substituímos todos os lubrificantes, que costumam ser de fontes fósseis ou graxas animais, por fontes vegetais. E o plástico só é vilão se for usado de forma descartável.” A marca foi certificada com os selos Eu Reciclo e Carbon Free, além de ser reconhecida pela organização internacional de direitos dos animais PETA.
O conforto, a atemporalidade e a sustentabilidade formam a trinca que levou a Linus a crescer 700% durante a pandemia. A projeção é de quadruplicar o faturamento em 2021. Isabela afirma que notou crescimento na procura porque o consumidor começou a se preocupar mais com a questão ambiental, ao mesmo tempo em que buscava por praticidade. “Hoje, a Linus é uma love brand. As pessoas são embaixadoras da marca. Geramos identificação pelo nosso propósito.”
A equipe, que começou formada apenas por funcionários freelancers para cuidar das redes sociais, agora já conta com 15 pessoas. “Nascemos de um modelo enxuto, rodando com capital próprio desde o início, sem investimentos. Para isso acontecer de forma orgânica e sustentável, precisamos nos manter o mais enxutos possível para remunerar corretamente todas as etapas da cadeia e oferecer produtos com valor acessível”, pontua.
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O time Linus é composto, em sua maioria, por mulheres – são apenas dois homens na equipe. A empreendedora afirma que não buscou por isso, suas escolhas se deram de forma natural pelas situações que passou quando começou a empreender. “Enquanto mulher jovem, eu não me sentia respeitada. Tinha que me preocupar com como me vestia para não parecer que estava abrindo brecha e, mesmo assim, ultrapassaram a barreira do profissional e pessoal. Tive que construir uma casca, um tom masculino para ser respeitada, até na forma de falar”, diz. “Estou aprendendo na prática e também quero ajudar outras mulheres a se desenvolverem para termos mais mulheres líderes, porque, enquanto os homens forem maioria, vamos continuar precisando deixar de ser nós mesmas para nos sentirmos respeitadas.”
Aproveitando o crescimento notado durante a pandemia, a Linus começou a ser exportada para Portugal e Estados Unidos, com a venda acontecendo em canais parceiros. No mês passado, as sandálias estavam nos pés das modelos no desfile de Carlton Jones na Semana de Moda de Nova York. O contato partiu da equipe do estilista, que conheceu a Linus pela identidade visual e pelo propósito com a sustentabilidade.
Isabela conta que nem acreditava que daria certo, até que recebeu as fotos do desfile. “Não gastamos um centavo, foi orgânico. Tenho apenas 26 anos e, em dois anos e oito meses, conseguimos impactar o setor de bens de consumo. As maiores empresas do ramo já nos procuraram para conversar. Dá um frio na barriga perceber que estão de olho em mim, mas fica nítido que conseguimos fazer uma diferença maior do que imaginamos”, afirma.
Vestida com a camisa do propósito que a fazia questionar, ainda na infância, vendedoras de shopping sobre a procedência dos produtos que vendiam, Isabela quer continuar pautando a mudança. “Meu grande papel com a Linus é liderar esse movimento de transformação na forma de consumir. Quero sempre buscar novas formas de trazer inovação, ser mais sustentável e desafiar outras marcas a fazerem o mesmo. É mais fácil fazer essa curva sendo uma prancha de surf do que um transatlântico, mas, para o nosso amanhã como sociedade, não adianta que só eu seja sustentável”, finaliza.
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