Anvisa busca reverter texto final de MP que obriga aprovação de vacinas em até 5 dias

6 de fevereiro de 2021
Divulgação

Com a aprovação da MP pelo Senado, o texto segue para sanção do presidente Jair Bolsonaro

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estuda alternativas para se contrapor ao texto final da medida provisória aprovada na quinta-feira (4) pelo Senado. O texto da MP diz que a agência tem cinco dias para autorizar o uso de vacinas contra a Covid-19 aprovadas por agências internacionais.

“Os diretores da agência já estão se reunindo com a procuradoria da Casa para ver as estratégias legais para agir contra essa MP, verificando possíveis inconsistências e trâmites legais para minimizar o dano que essa medida pode trazer. Nós, da equipe técnica, vamos fornecer todos os subsídios, mostrando todos os riscos”, disse o gerente-geral de medicamentos da Anvisa, Gustavo Mendes, em entrevista à CNN.

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A medida provisória aprovada pelo Senado tratava inicialmente da autorização para o governo brasileiro aderir ao mecanismo Covax Facilities, organizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para aquisição de vacinas. O texto, no entanto, foi alterado na Câmara dos Deputados para incluir a obrigação de que a Anvisa autorize no Brasil, em até cinco dias, o uso de vacinas aprovadas por agências internacionais.

Da forma como ficou redigida, a MP não dá abertura para a Agência negar o registro.

“Diferenças nos locais de fabricação, na qualidade dos insumos ou mesmo no método de fabricação podem impactar a qualidade da vacina. Então, nossa preocupação não é apenas de fazer a análise, uma coisa corporativista, mas de dar segurança para população”, disse Mendes, acrescentando ainda que sem essa análise a agência não tem como monitorar a qualidade, a segurança e a eficácia da vacina.

Além do prazo que obriga a aprovação –o texto diz que a “Anvisa concederá autorização temporária de uso emergencial para a importação, a distribuição e o uso”– a MP aumentou o número de agências sanitárias internacionais que a Anvisa terá que seguir. Além dos Estados Unidos, União Europeia, Japão, China, Canadá e Reino Unido, que já constavam na legislação, foram incluídas Coreia do Sul, Argentina e Rússia.

Para o sanitarista Gonzalo Vecina, ex-presidente da Anvisa, a MP, na prática, concede o registro das vacinas no lugar da Anvisa.

“Na verdade não precisava nem ir para a Agência. O Congresso está concedendo o registro sem a participação dela”, disse Vecina à Reuters. “Isso é um absurdo sem tamanho. A Anvisa não vai ter alternativa a não ser contestar na Justiça e eu acho que qualquer juiz vai derrubar isso. Não vai ter quem aceite isso como está.”

Com a aprovação da MP pelo Senado, o texto segue para sanção do presidente Jair Bolsonaro, que pode ainda vetar os artigos incluídos pelo Congresso.

Em nota na noite desta sexta-feira (5), a Anvisa informou que irá se manifestar junto à Casa Civil, pedindo que o presidente vete o artigo 5º do texto aprovado, que trata justamente da obrigatoriedade de aprovação.

“No entendimento da Anvisa, o artigo 5º pode contrariar o interesse público já que, na forma da redação final, haveria uma imposição para a aprovação das vacinas sem a prévia análise técnica de segurança, qualidade e eficácia. Ou seja, a norma retiraria o papel técnico de análise da Anvisa, delegando à agência uma função cartorial”, disse a Anvisa na nota.

“Um dos efeitos possíveis seria a existência de duas categorias de vacinas no Brasil, as que passaram pela avaliação do produto e toda sua cadeia produtiva e as que não tiveram qualquer avaliação sobre origem dos insumos, condições de conservação e eficácia na população.”

As mudanças na MP acabam tendo na mira a vacina russa Sputnik V, ainda sob análise na Anvisa, mas já aprovada em seu país de origem e também na Argentina. A agência tem sido pressionada por parlamentares e empresários para liberar o imunizante. Esta semana, o Ministério da Saúde informou que pode comprar 10 milhões de doses da vacina russa.

Questionado na CNN se a Anvisa está sendo pressionada, Mendes confirmou.

“Sim, está havendo pressão. Está havendo uma estratégia do Congresso de atropelar agência e isso é muito ruim porque a gente vê que nossa agência tem um respeito internacional enorme”, disse Mendes.

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“Esse atropelo vem de um Congresso que não entende dos nossos procedimentos técnicos.”

Já Gonzalo Vecina afirma que, mesmo com a publicação de um estudo na revista científica Lancet sobre a Sputnik V, ainda não há informações suficientes sobre garantias da qualidade da vacina. Além disso, o especialista lembra que é preciso a inspeção das fábricas para garantir as boas práticas de fabricação, como foram feitas no caso das demais vacinas que estão sendo usadas no Brasil.

“Os riscos que corremos é de termos aprovada uma vacina que não é segura e eficaz. A agência argentina sofreu muito nas últimas crises econômicas, perdeu muita capacidade. Na Rússia temos um czar que manda em tudo”, critica Vecina.

Em outra nota, mais cedo, a Anvisa salientou que “é possível perceber que, até o momento, nenhuma autoridade reguladora de referência e que participa dos mesmos fóruns técnicos que a Anvisa concedeu autorização de uso emergencial de forma automática, baseada na avaliação de um outro país”. (Com Reuters)

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