O Brasil quer mudar. As periferias e favelas querem mais acesso e dignidade. Mas a principal pergunta é como fazer isso, com escala, sem depender única e exclusivamente do governo. Como nasce a transformação social? Quanto vale uma oportunidade para quem nunca teve uma? Como alterar o curso natural das coisas e fazer o rumo da história tomar um novo caminho?
Essas perguntas não têm respostas prontas e fáceis. São séculos de atraso social, sobretudo nas favelas, onde vivem, segundo o IBGE, quase 14 milhões de pessoas. O Brasil tem indicadores socais desastrosos. Por exemplo, todos os anos, 700 mil jovens matriculados no ensino médio evadem da escola. Outros 600 mil são reprovados por falta. Pesquisa recente mostra que o Brasil caiu para último lugar no ranking de prestígio do professor. Os pais não indicam a profissão aos filhos. Os melhores não querem dar aula.
Quando você está no centro das favelas brasileiras e vê as crianças jogando bola no meio dos ratos, dividindo a mesma cama para 5, sem saber interpretar um texto e fazer uma conta básica de dividir, você se dá conta do quanto estamos perdendo o jogo. Aliás, estamos tomando uma surra.
Nas favelas onde lidero com a Rede Gerando Falcões, parece que voltamos ao passado. As casas ainda são de barraco e papelão. Em muitas faltam água potável. Não tem saneamento básico. E várias famílias, como em Vergel do lago, Maceió, vivem com renda de R$ 250 por mês com 5, 6 pessoas dentro de casa.
Ou seja, não vai dar certo utilizar as mesmas respostas do passado para combater estes problemas sociais. Nós vamos ter de beber em outras fontes. Para resolver, vamos ter de buscar a criatividade de Steve Jobs, a ambição de Elon Musk, o sonho grande do Lemann, a capacidade de comunicação de Marting Luther King, a compaixão da Madre Tereza de Calcutá e a coragem para servir de Jesus Cristo.
Eu tenho procurado outras soluções, além do tradicional, para reverter o placar. Uma delas é a tecnologia. Nos últimos 12 meses, dei início a uma profunda transformação no Gerando Falcões. Deixamos de ser uma unidade e viramos uma rede de ONGs em favelas em plena expansão.
Inserimos gestão e introduzimos metas, indicadores de performance, bonificação para o time, plano de carreira, Orçamento à base Zero, rituais de gestão, como reunião de produtividade. Tudo na favela. Funciona.
Agora, há uma nova barreira que pretendo ultrapassar. Usar a tecnologia para salvar vidas. Este é o novo desafio para ampliar a escala. Quando eu tenho um desafio corporativo, que exige inteligência e estratégia, sempre procuro meu amigo Leonardo Framil, presidente da Accenture para América Latina. O Framil, com a Accenture, ajuda milhares de empresas a resolver seus problemas, inovar e como consequência ganhar mais dinheiro.
Mas ele também tem um senso de preocupação com o país afinado com os desafios atuais e genuinamente verdadeiro. Framil comemorou seu aniversário comigo, na favela. Trouxe a esposa e a filha. E finalizou almoçando em casa.
Pensando na dificuldade de aprendizado das crianças em matemática e português e o quanto os jovens das favelas chegam ao mercado despreparados, iniciamos, com a Accenture, a criação de um projeto inovador que vai desembocar em uma solução digital disruptiva para alavancar o aprendizado das crianças.
A ideia é que as crianças das periferias e favelas possam, após as aulas, estudarem de casa ou do barraco com o celular na mão, internet free, e acessar vídeos educativos, quiz, aprender a programar brincando e se tornar mais preparadas para o futuro e seus desafios.
O conteúdo estará alinhado com a grade do “novo ensino médio”. O projeto é liderado pela talentosa Mariane Zupolline, líder de Cidadania Corporativa da empresa, e conta com um time de consultores “punk”, que sabem ouvir a favela e transformar as expectativas em soluções inovadoras.
Aliás, aqui está uma característica dessa turma. Os consultores da Accenture são muito mais que ar-condicionado e planilhas. Eles conhecem a maioria das favelas que atendemos. Entram e saem. São amigos. Pé na rua.
Para mudarmos o Brasil das favelas, precisamos engajar os cérebros de Harvard e do Insper, os melhores líderes corporativos e juntar com os talentos da periferia, que estão nos becos e nas vielas segurando firme para o muro social não cair.
A miséria, o analfabetismo funcional e a evasão escolar têm garras profundas na sociedade brasileira mais pobre. Vamos ter de apresentar ferramentas inovadoras, que atinjam o centro do problema e dê uma pane geral no sistema nervoso do retrocesso social.
Se Mandela estivesse vivo, ele usaria a tecnologia para fazer a revolução racial na África do Sul. Se Marting Luther King ainda estivesse por aqui, iria se juntar ao Vale do Silício e criaria ferramentas digitais de reparo social para os negros. Eu vou usar a tecnologia para mudar as favelas.
Sem tecnologia, a gente perde tempo. E aí pode se tornar tarde demais outra vez. O Brasil tem de fazer um juramento aos mais pobres. Não vamos chegar atrasados, mais um século, no seu barraco.
Framil, vamos continuar comemorando seu aniversário na favela. E, a cada ano, teremos mais conquistas, agora, exponenciais.
Edu Lyra é autor do livro “Jovens Falcões” e fundador do Instituto Gerando Falcões. Foi selecionado pelo Fórum Econômico Mundial como 1 dos 15 jovens brasileiros que podem mudar o mundo, como parte do Global Shapers. Saiu na lista Under 30 da FORBES como um dos destaques do Brasil com menos de 30 anos.
Edu Lyra é um colaborador da Forbes Brasil. Sua opinião é pessoal e não reflete a visão editorial de Forbes Brasil.