Empresas de fast-food: o inimigo agora é outro

16 de abril de 2019
Getty Images

Foi-se o tempo em que a indústria alimentícia tinha que se preocupar com o PETA

Resumo:

  • A FAIRR é uma associação de mais de 80 investidores que foi lançada em 2015 por Jeremy Coller, um dos mais influentes gestores de private equity do mundo;
  • O grupo tem o propósito de chamar a atenção de grandes empresas alimentícias para a causa do meio ambiente;
  • Recentemente, a organização enviou cartas a redes de fast-food, incentivando-as a estabelecer metas para reduzir as emissões de gases do efeito estufa em suas cadeias de suprimento de carne e laticínios.

Já faz algum tempo que os produtores de carne não se preocupam mais com grupos de direitos animais como a PETA (People for the Ethical Treatment of Animals). Atualmente, há um novo incômodo para as fazendas industriais, que surgiu de um lugar inesperado: Wall Street. Os ativistas de hoje não estão mais jogando sangue em consumidores ou se vestindo como animais mortos em mercearias. Em vez disso, eles estão vestidos com ternos da Armani e miram no único lugar que as empresas realmente se importam: o bolso.

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Os investidores sempre foram fundamentais para o comportamento corporativo, já que os executivos de alto escalão têm obrigação legal de maximizar seus retornos. Mas, deixando de lado as preocupações ambientais, me diga: quanto lucro por ação você gerou no último trimestre? Não é à toa que o nosso planeta está pedindo socorro.

Felizmente, há um número crescente de investidores que se preocupam muito com o resultado financeiro e enxergam as fazendas industriais se tornando cada vez mais vulneráveis ​​ao declínio da saúde do nosso planeta e seus habitantes.

A FAIRR, uma associação de mais de 80 investidores que representam mais de US$ 12 trilhões em ativos, começou a chamar a atenção de grandes empresas alimentícias para juntarem seu “estrume” e começarem a planejar um mundo onde carne e laticínios não são mais os queridinhos do mundo da gastronomia. A iniciativa foi lançada em 2015 por Jeremy Coller, um dos mais influentes gestores de private equity do mundo. Para ele, os dados eram gritantes.

“A cada dia, cerca de 84 milhões de adultos consomem fast-food nos Estados Unidos, mas a verdade inconveniente desses alimentos é que os impactos ambientais da carne e de produtos lácteos do setor atingiram níveis insustentáveis. Se colocarmos em perspectiva, se as vacas fossem um país, ele seria o terceiro maior emissor de gases do efeito estufa do mundo”, explica.

Coller fez com que a FAIRR se tornasse um dos maiores grupos de investidores do mundo, cujo objetivo final é a indústria agrícola. Recentemente, a organização enviou cartas a seis das maiores cadeias de fast-food, responsáveis pelo gerenciamento de 120 mil restaurantes em todo o mundo, incluindo o McDonald’s, Domino’s e os donos das redes Burger King e KFC. O objetivo é incentivar essas redes a estabelecerem metas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa em suas cadeias de suprimento de carne e laticínios.

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A associação de investidores é extremamente influente. Se eles determinarem que não gostam do modo como essas redes de fast-food gerenciam seus riscos, eles podem reduzir suas participações nas empresas. E esse é o tipo de coisa que chama a atenção de um CEO.

As cartas pedem às empresas de fast-food que façam o seguinte:

  • Adotem uma política de fornecimento com requisitos claros para que os fornecedores de produtos de proteína animal relatem e reduzam as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e os impactos em fontes de água doce;
  • Publiquem metas quantitativas e temporais para reduzir as emissões dos GEE e os impactos em fontes de água doce de suas próprias cadeias de suprimento de carne e laticínios;
  • Comprometam-se a divulgar publicamente o progresso dessas metas anualmente;
  • Realizem uma análise dos cenários climáticos em consonância com as recomendações do Grupo de Trabalho sobre Divulgações Financeiras Relativas ao Clima (TCFD, na sigla em inglês).

As cartas destacam que, atualmente, a indústria de carnes e laticínios tem políticas climáticas limitadas, sem metas. Uma análise feita pelo índice Coller FAIRR descobriu que mais de 70% dos pecuaristas não têm objetivos para reduzir as emissões de GEE.

“Este é o setor que mais emite gases, sem um plano de baixa emissão de carbono”, comenta Brooke Barton, diretora da Ceres, grupo de sustentabilidade que co-organizou a campanha dos investidores. “Embora algumas empresas, em setores como o de energia elétrica, estejam estabelecendo metas e transformando seus modelos de negócios de acordo com o acordo climático de Paris, a indústria de carne e laticínios está indo de mal a pior.”

O trabalho da FAIRR também está focado na questão do uso de antibióticos na indústria alimentícia. Na pecuária, a prática é uma das principais causas do aumento da resistência antimicrobiana (AMR, na sigla em inglês) em humanos. Sem o conhecimento de muitas pessoas, a indústria alimentícia, que é a maior consumidora de antibióticos do mundo, usa drogas para prevenir doenças e para promover o crescimento de animais saudáveis nas fazendas, em vez de tratar os doentes. Um total de 80% de todos os antibióticos nos EUA é usado em animais de fazenda.

Esse número é preocupante para nós pois, quando comemos esses animais, também consumimos os antibióticos. Assim, nos tornamos cada vez mais imunes a eles e, quando somos infectados por bactérias resistentes, não podemos contar com os medicamentos para superar as infecções. Estas bactérias ​​são chamadas de “super bugs”.

Aos olhos da FAIRR, o uso incorreto da AMR e de antibióticos apresenta um risco sistêmico para os portfólios de investidores, inclusive nos setores alimentício, farmacêutico, de saúde e de seguros. Segundo o Índice de Produtores de Proteína da FAIRR, 77% das empresas analisadas (no valor de US$ 240 bilhões) são classificadas como “de alto risco” no manejo de antibióticos.

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O governo do Reino Unido descreveu o uso excessivo de antibióticos como “inadequado” em um relatório que descobriu que as infecções resistentes a medicamentos poderiam custar ao mundo cerca de US$ 100 trilhões em produção perdida até 2050. Isso significa que o número de mortes por causa de bactérias, que nossos antibióticos não podem derrotar, será maior do que o número de mortes por cânceres combinados.

Os pedidos de mudança na alimentação e nutrição ganharam ainda mais força recentemente, com o lançamento de um relatório elaborado por uma comissão internacional da revista médica “The Lancet”. As diretrizes reivindicam uma revisão significativa na produção de alimentos e hábitos alimentares, ou o que um dos autores do estudo chamou de “nada menos que uma nova revolução agrícola global”. A Comissão EAT-Lancet pediu uma “mudança abrangente” nas dietas ao redor do mundo, incluindo a redução do consumo de carne pela metade, e demandou que governos considerem a sustentabilidade nas orientações alimentares.

Outro estudo recente, publicado na revista “Nature”, também mostra como os “impactos na produção de alimentos” ligados à mudança climática vêm aumentando globalmente, colocando a segurança alimentar em risco. Os pesquisadores identificaram cerca de 230 impactos em 134 países entre 1961 e 2013, e disseram que essa frequência vem aumentando constantemente. Esses impactos ameaçam desestabilizar o suprimento global de alimentos e elevam as taxas globais de fome, que também começaram a aumentar nos últimos anos.

Pelo lado positivo, há sinais de que a pressão da comunidade acadêmica e de investidores está começando a mudar o comportamento corporativo. Na semana passada, o Burger King anunciou planos para implantar o “Impossible Burger” (hambúrguer vegetariano) em áreas selecionadas e depois expandir pelos Estados Unidos. O White Castle fez o mesmo no início deste ano. Parece que a cada semana há um novo lanche vegano ou vegetariano de uma rede de fast-food.

E é melhor que esses restaurantes comecem a tomar atitudes. Caso contrário, os investidores podem transferir seu capital para outro lugar. A oferta pública da Beyond Meat, produtora de substitutos de carne à base de plantas, é provavelmente a primeira nessa onda de empresas alimentícias de capital aberto que lutam por um futuro mais verde e saudável.

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