Melhor ainda, as unidades da Bloom recebem combustível por meio de dutos subterrâneos, não afetados pelos ventos Diablo que ameaçavam os cabos de alta tensão da Califórnia e levaram a quedas de energia que Sridhar considera intoleráveis em qualquer sociedade moderna, quanto mais no Vale do Silício.
LEIA MAIS: Brasil zera imposto de importação para módulos de geração de energia solar
Em seus 19 anos de atuação, a companhia instalou milhares de suas caixas de 15 toneladas em todo o mundo para grandes empresas de tecnologia, como Apple, AT&T e PayPal, que estão dispostas a pagar para garantir energia 24 horas por dia, sete dias por semana para data centers nos quais o custo do tempo de paralisação é de quase US$ 9 mil por minuto. Muitos dos clientes estão em estados com os preços de energia mais caros e com altos subsídios à energia limpa, como Nova York, onde a Home Depot os instalou como geradores de apoio “onde quer que façam sentido do ponto de vista econômico”, segundo o diretor de energia da rede nos EUA, Craig D’Arcy. As caixas Bloom operam sem parar na Caltech há mais de uma década, fornecendo quase 30% da energia ao campus de Pasadena. “Ter energia estável é muito importante para os cientistas”, diz Jim Cowell, diretor de instalações da Caltech. “Eliminamos os intermediários da rede.”
Este deveria ser um momento para a Bloom brilhar. “Graças ao fraturamento hidráulico, o gás natural já está aí”, diz Sridhar. E, no entanto, apesar das grandes promessas, é improvável que as caixas de Sridhar transformem a rede na Califórnia ou em qualquer outro lugar. Os motivos são vários, mas tudo se resume a isto: sua tecnologia é suja demais e cara demais.
A Bloom nunca deu lucro, a despeito de pelo menos US$ 1,7 bilhão em capital investido, parte do qual foi levantada com base em declarações falsas. Em breve, ela poderá ficar sem pista para decolar, à medida que os lucrativos créditos tributários acabem e o financiamento seque. Sridhar já contratou o banco de investimentos Jefferies para ajudar a reestruturar mais de US$ 300 milhões em dívidas que vencem no fim deste ano. As ações caíram quase 50% desde que a Bloom levantou US$ 282 milhões em seu IPO, em 2018. E agora autoridades reguladoras e até políticos locais estão em conflito com a empresa. Cidades como Berkeley se voltaram contra o gás natural por não ser suficientemente ecológico. Recentemente, um tribunal impediu o condado de Santa Clara, no coração do Vale do Silício, de receber novas instalações da Bloom, a menos que elas fossem abastecidas, por exemplo, com biogás (exorbitantemente caro) trazido de lagoas de esterco ou aterros sanitários.
No momento, a energia verdadeiramente renovável está muito mais barata do que a da Bloom. Sem subsídios, a energia solar e a eólica terrestre custam 4 centavos de dólar por kWh, de acordo com a empresa de gestão de ativos Lazard.
VEJA TAMBÉM: Casa dos Ventos e Grupo Moura anunciam parceria para autossuficiência em energia eólica
Não pense nem por um segundo que Sridhar, de 59 anos, está desanimado. “É um ritmo de progresso incrível”, diz ele, sobretudo em comparação com seu ponto de partida. Ele cresceu na Índia, onde os apagões são comuns, e frequentou o Instituto Nacional de Tecnologia Trichy, no estado de Tamil Nadu, no sul da Índia, e então foi aos EUA para cursar um doutorado em engenharia mecânica. Depois, trabalhou no Laboratório de Tecnologias Espaciais da Universidade do Arizona, onde desenvolveu uma máquina geradora de oxigênio para as missões da Nasa a Marte. Quando o Mars Polar Lander caiu, em 1999, o projeto dele foi cancelado. Sem se deixar abater, ele trabalhou para inverter essa tecnologia e transformar metano e oxigênio em dióxido de carbono e eletricidade.
Em 2008, Sridhar havia instalado as primeiras caixas no Google, de cujo conselho de administração Doerr é membro há muito tempo. Houve problemas desde o princípio. Essas máquinas iniciais foram montadas manualmente, lembra Sridhar, em uma loja no aeródromo de Moffett, no condado de Santa Clara, e não na linha de montagem automatizada de hoje. Um ex-executivo da Bloom afirma que essas primeiras caixas precisavam ser monitoradas 24 horas por dia, sete dias por semana, e que os módulos internos, com centenas de pastilhas de células de combustível de 10 por 10 centímetros, precisavam ser trocados algumas vezes por ano, ao custo de US$ 225 mil cada uma. Outra complicação desses intricados dispositivos eram os sistemas de filtragem – tambores de metal cheios de pedras de catalisadores sólidos que separam compostos de enxofre e outros contaminantes do gás metano. Segundo o mesmo executivo, na primeira vez em que os técnicos esvaziaram os tambores, eles simplesmente sugaram o catalisador e acabaram espalhando um cheiro de ovo podre por toda a vizinhança. A Bloom chamou de “boato” o relato do executivo.
Porém, assim como outros adeptos da filosofia de “fingir até conseguir”, Doerr e Sridhar agiram como se tudo já estivesse equacionado. Em 2010, em uma entrevista com Leslie Stahl no programa televisivo “60 Minutes”, eles anunciaram as caixas como o futuro da geração de energia limpa e verde. “A caixa Bloom visa a substituir a rede elétrica – é mais barata do que a rede, é mais limpa do que a rede”, disse Doerr a Stahl. Em coletiva de imprensa realizada logo depois, Sridhar disse aos repórteres que a caixa era capaz de fornecer energia ao custo de “9 a 10 centavos de dólar por quilowatt-hora”.
A Bloom está muito longe de poder oferecer esses preços, embora a tecnologia esteja melhorando. Enquanto suas primeiras caixas duravam menos de dois anos até serem substituídas, hoje afirma que conseguiu elevar a vida útil a quase cinco anos. O que seria mais impressionante é se ela conseguisse ganhar dinheiro. Até agora, a empresa registrou mais de US$ 2,7 bilhões em prejuízos acumulados, e essa cifra continua crescendo. Nos nove meses até setembro de 2019, a Bloom registrou um prejuízo líquido de US$ 195 milhões sobre um faturamento de US$ 668 milhões. Para cobrir seus prejuízos, a empresa obteve a ajuda dos moradores de Delaware, onde a companhia de energia Delmarva Power está há oito anos em um projeto de 21 anos com a Bloom. Em votação realizada em 2011, a Assembleia Geral de Delaware permitiu que a Bloom se habilitasse para seu programa de energias renováveis, apesar de as unidades dela não serem movidas a combustível renovável. Por esse benefício ecológico subjetivo, os 300 mil clientes da Delmarva em Delaware se viram pagando uma tarifa mensal equivalente a cerca de 16 centavos de dólar por kWh gerado por 123 caixas Bloom. Delaware também concedeu US$ 12 milhões em subsídios. Registros estaduais mostram que, nos 12 meses findos em maio de 2019, a Delmarva pagou mais de US$ 34 milhões à empresa operacional da Bloom por energia elétrica que vendeu à rede por apenas US$ 9 milhões. Como se não bastasse, em 2012, Sridhar prometeu 900 empregos em sua fábrica em Delaware, mas até agora apenas 340 deles se concretizaram. O objetivo declarado do projeto era cumprir uma série de metas de desenvolvimento econômico e de política energética, e estava previsto que seu custo seria maior do que o do atacado.
Pelo menos a tecnologia da Bloom é mais limpa do que a de uma usina comum, certo? Nem sempre. Quando as caixas são novas, funcionam com eficiência ideal, convertendo quase 65% de seu combustível de metano em eletricidade e emitindo 308 quilos de dióxido de carbono por megawatt-hora. A título de comparação, as emissões totais do setor de energia dos EUA eram de 415 quilos por MWh em meados de 2019, segundo o Instituto Scott da Universidade Carnegie Mellon. Ela também é melhor do que as usinas movidas a gás natural, que emitem 386 quilos, e muito melhor do que as movidas a carvão, com emissão superior a 635 quilos. No entanto, à medida que as células de combustível envelhecem, o processo eletroquímico perde eficiência. Com base em cálculos da Forbes, algumas das caixas mais antigas de Delaware vêm emitindo 435 quilos de CO2 por MWh. Na Califórnia, onde a concessionária local PG&E gera energia a 95 quilos por MWh, a Bloom pode estar perdendo sua atratividade.
Alguns investidores foram induzidos ao erro ao longo do caminho. Em 2012, a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC, na sigla em inglês) proibiu temporariamente Dwight Badger e Keith Daubenspeck, cofundadores da corretora Advanced Equities, de exercer suas funções após uso de informações falsas e realização de diligências negligentes, respectivamente, para ajudar a Bloom a arrecadar US$ 150 milhões. Entre as afirmações incorretas estavam a de que a Bloom tinha US$ 3 bilhões em pedidos da CIA e de uma rede de supermercados e a de que ela receberia um empréstimo de até US$ 300 milhões do Departamento de Energia. Em e-mails escritos à SEC, Badger alega possuir cópias de apresentações feitas ao conselho da Bloom (o qual tem, entre os membros, Doerr e o ex-secretário de Estado Colin Powell) que provam que esta mentiu aos investidores. Em 2014, os corretores chegaram a um acordo no valor de US$ 16,7 milhões, grande parte em direitos de compra de ações se e quando a Bloom abrisse o capital. Após o IPO, o preço das ações da Bloom nunca subiu o suficiente para deixar Badger e Daubenspeck in the money. Em 2019, eles entraram com uma ação contra Sridhar por induzi-los ao acordo de maneira dolosa. A Bloom afirma que a ação não tem mérito.
Em 25 de julho de 2018, dia do IPO da Bloom, Sridhar mentiu aos repórteres do site “MarketWatch” ao dizer que a empresa estava lucrando desde o segundo trimestre e que, naquele ano, teria fluxo de caixa positivo e lucro de acordo com os princípios contábeis geralmente aceitos, quando, na verdade, ainda estava perdendo dinheiro. A Bloom divulgou uma correção no dia seguinte e garante que Sridhar “simplesmente cometeu um erro”. Outros investidores que compraram ações da Bloom processaram Sridhar e a empresa por, entre outras coisas, esconder mais de US$ 2 bilhões em obrigações futuras relacionadas à manutenção e substituição de caixas Bloom antigas, segundo estimativas do vendedor a descoberto Nate Anderson, da Hindenburg Research. A Bloom negou o relatório da Hindenburg; os processos estão tramitando. Conforme explica um ex-executivo da Bloom, esta depende da receita das caixas novas para ajudar a compensar os crescentes custos de manutenção das antigas: “Eles precisam continuar vendendo mais no front-end para pagar o back-end”.
Nos últimos meses, a Bloom levantou mais de US$ 250 milhões com empresas como a Southern Company para trocar suas caixas antigas em Delaware. A Bloom pôde vislumbrar uma onda dessas substituições antes da eliminação gradual, em 2023, do lucrativo crédito fiscal federal para investimentos, no valor de até 30% do capital investido. Quando esse crédito terminar, também terminará uma via de financiamento confiável. Um fato que salienta a possibilidade de a Bloom estar com os dias contados é a saída de vários executivos e a iminente aposentadoria de seu diretor financeiro. A ex-senadora dos EUA Kelly Ayotte também deixou o conselho e foi substituída por Jeff Immelt, ex-CEO da General Electric.
Se há um raio de esperança nessa história, é o fato de que existem muitos lugares no mundo com o ar mais sujo do que o da Califórnia e onde as pessoas podem ter interesse no que a Bloom está vendendo. No Japão, a empresa fez parceria com o Softbank em diversas instalações; na Coreia do Sul, construiu recentemente sua primeira “Torre de Energia” – uma estrutura de quatro andares com as laterais abertas, repletas de suas caixas – e agora está analisando, junto com a Samsung, como usar as caixas para fornecer energia a navios.
Sridhar insiste que seus preços continuarão caindo, enquanto sua resiliência vai aumentar. Ele obtém inspiração em imagens de satélite que mostram o mundo à noite, penduradas nas paredes dos escritórios da Bloom. As luzes brilhantes no meio da escuridão representam a grande maioria da população do mundo. “Os outros 2 bilhões estão basicamente sem rede e sem sorte”, diz ele. “O que me levou a abrir a empresa é a mesma coisa” que o motiva agora: sentir “que deixei uma marca”.
Reportagem publicada na edição 76, lançada em abril de 2020
Siga FORBES Brasil nas redes sociais:
Facebook
Twitter
Instagram
YouTube
LinkedIn
Participe do canal Forbes Saúde Mental, no Telegram, e tire suas dúvidas.
Tenha também a Forbes no Google Notícias.