Esgotados com o excesso de trabalho, a falta de flexibilidade e de reconhecimento em termos de remuneração e temendo os impactos da inteligência artificial, 35% dos profissionais brasileiros dizem estar inseguros no emprego atual, segundo estudo do ADP Research Institute, que ouviu cerca de 32 mil trabalhadores em 17 países, sendo mais de 5 mil na América Latina.
“O futuro parece bastante incerto. Trabalhadores em todo mundo têm se deparado com um ambiente turbulento como resultado de um contexto mundial que inclui recessão global, conflitos geopolíticos e a experiência recente com a pandemia”, diz Mariane Guerra, vice-presidente de recursos humanos para a América Latina na ADP, uma das maiores empresas globais em soluções de folha de pagamento e gestão de capital humano.
Insegurança da geração Z
A pesquisa ainda mostra que os homens estão mais inseguros que as mulheres (38% ante 32%) e que esse sentimento está presente em metade dos profissionais da geração Z – jovens entre 18 e 24 anos. Os profissionais recém-chegados no mercado de trabalho questionam esse ambiente e buscam flexibilidade, liderando movimentos como o “quiet quitting”, que sugere fazer apenas o necessário no trabalho, ou o “act your wage”, colocar um esforço proporcional ao salário.
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Segundo o Workmonitor, pesquisa da multinacional de recursos humanos Randstad, 38% da geração Z já deixou um cargo que não estava em consonância com seus objetivos e aspirações pessoais. “Mas olhando o mercado em 2023, com muitos indicadores econômicos negativos e a retomada do presencial por parte de muitas empresas, a insegurança aumentou porque as empresas estão seguindo um caminho contrário ao que querem os profissionais”, explica Wladimir Parada, diretor de vendas da Randstad Brasil.
Carolina*, trainee de uma multinacional de bens de consumo, se encaixa nesse perfil. Aos 23 anos, fica até 12 horas no escritório, onde tem que estar quatro dias por semana, segundo a política da sua chefe. “Ela me deixa totalmente insegura”, diz a jovem, que passa horas no trânsito de São Paulo e aproveita os dias em que pode trabalhar de casa para ir à academia e desenvolver projetos pessoais.
Estagiária de direito, Bruna* equilibra o último ano da faculdade com o TCC, as tarefas do escritório e a pressão pela efetivação e aprovação na OAB. “Não sei se estou atendendo às expectativas, minhas e dos outros. É isso que eu quero para mim? E é isso que eles querem de mim?”, questiona ela sobre o trabalho 100% presencial e a carreira de advogada, que já não tem mais tanto prestígio quanto antes.
Em contrapartida, 24% das pessoas com mais de 55 anos se sentem inseguras no trabalho. Segundo os especialistas, esses dados, que parecem contraintuitivos, podem estar relacionados ao aumento na expectativa de vida ou até às políticas de diversidade e contra o etarismo nas empresas.
Quem está preparado para o futuro do trabalho?
Para Guerra, da ADP, o sentimento de insegurança está relacionado a diversos fatores, mas especialmente às transformações no mundo do trabalho, com o impacto dos avanços tecnológicos e da inteligência artificial.
Ao todo, 23% das ocupações devem se modificar até 2027, segundo o estudo Futuro do Trabalho 2023, elaborado pelo Fórum Econômico Mundial com o apoio da Fundação Dom Cabral. E executivos acreditam que quase metade (49%) das competências da força de trabalho hoje não serão relevantes daqui a dois anos, graças à inteligência artificial, segundo pesquisa da edX, uma plataforma americana de educação on-line fundada pelas universidades Harvard e MIT. “Mais de 20% dos trabalhadores ouvidos disseram não terem as habilidades que serão necessárias para avançar em suas carreiras nos próximos três anos”, diz Guerra.
O curto prazo preocupa os profissionais, que também reconhecem que seus empregadores talvez não estejam investindo o suficiente em sua capacitação e desenvolvimento. De acordo com a pesquisa, mais de 40% dos profissionais brasileiros afirmam que seus empregadores não falam com eles sobre desenvolvimento de carreira e sobre treinamento e habilidades requeridas para seu trabalho atual.
A culpa é do dinheiro
A flexibilidade surgiu mais recentemente, depois da pandemia, como prioridade para os profissionais, enquanto a remuneração sempre norteou as relações de trabalho – mas, segundo especialistas, tem sido uma preocupação ainda mais frequente. “Com a inflação corroendo o poder de compra mais rapidamente do que os reajustes salariais podem acompanhar, os trabalhadores globais clamam por uma revisão corporativa mais profunda”, diz Parada, da Randstad.
O executivo ainda cita os layoffs em empresas de tecnologia e startups, que tiveram início em 2022 e seguiram durante este ano. Segundo a pesquisa Workmonitor, da Randstad, quase 60% dos brasileiros declararam ter medo de perder o emprego e mais de 60% se mostraram preocupados com o impacto da incerteza econômica na estabilidade profissional. O mesmo estudo mostrou que ter estabilidade no emprego é importante para 96% dos entrevistados. Nesse sentido, “elementos como flexibilidade, um ambiente seguro e acolhedor, comunicação clara e liderança empática são vitais”, afirma o executivo.
Papel das empresas
A insegurança pode afetar os profissionais de diversas maneiras, tanto no dia a dia das suas funções quanto em relação à saúde mental e levar a quadros de:
- procrastinação
- síndrome do impostor
- depressão
- burnout
“É necessário criar ambientes que equilibram o pertencimento, propósito e bem-estar junto ao desenvolvimento profissional e a inclusão como pilares fundamentais”, diz Parada sobre o papel das empresas nesse cenário.
O executivo sugere estas ações para prevenir e lidar com os sentimentos de insegurança no trabalho:
- ouvir os colaboradores
- reparar as lideranças para administrar as metas e objetivos de forma empática
- promover relações mais humanas dentro da companhia
- incentivar a prática de exercícios físicos
- estabelecer uma rede de apoio
- disponibilizar um canal de atendimento psicológico por teleatendimento ou de forma presencial
- promover momentos de descontração, rodas de conversa e ambientes para descompressão
- incentivar a convivência entre os profissionais