Carla Bolla: Sorvete: de nobre a feminista

18 de março de 2020

Difícil passar pelo verão sem um sorvete na mão. Refrescante, ele vai do simples picolé com base de gelo a opções cremosas e elaboradas, feitas com leite e diversas frutas e ingredientes, passando por reinterpretações de doces e sobremesas. O sorvete evoluiu muito, tanto na oferta quanto na qualidade. Não é coisa (só) de criança. A começar por sua história

O primeiro relato sobre o sorvete vem da China de 4 mil anos atrás, quando uma sobremesa à base de leite e arroz foi congelada na neve para a nobreza. Foi na mesa dos poderosos da Antiguidade, porém, que ele virou uma experiência mais refinada. Babilônios, egípcios, gregos e romanos deliciaram-se com a cara guloseima. A produção do sorvete exigia buscar neve no alto das montanhas para ser armazenada em buracos na terra revestidos de madeira, onde o gelo era comprimido e coberto com palha para que se conservasse.

Com uma mistura de salada de frutas embebida em mel, Alexandre, o Grande, teria introduzido o sorvete no Ocidente. Os árabes teriam aperfeiçoado a receita chinesa com o desenvolvimento da técnica de incorporar a neve ao suco de frutas e ao mel, produzindo algo semelhante às atuais raspadinhas. Eles teriam levado o sorvete para a Sicília quando a dominaram, no século 9. Turcos e árabes garantem que sorvete é uma palavra procedente de sharbat, que significa bebida fresca.

Com a decadência da cultura antiga, o consumo do sorvete se perdeu até o final da Idade Média. Mas, em uma das viagens do veneziano Marco Polo à China, em 1295, ele teria trazido, além do macarrão e do arroz, receitas de sorvete à base de água. Foi um sucesso! Os gelados de fruta eram considerados uma arte sofisticada. Surgem, então, os mestres sorveteiros italianos – que guardavam, com extraordinário cuidado, as receitas reservadas para consumo exclusivo dos nobres.

Na França, a monarca de ascendência italiana Catarina de Médici, contando com seu cozinheiro Buontalenti, introduziu a sobremesa na corte francesa. A primeira sorveteria do mundo foi aberta em Paris, em 1686, pelo italiano Procopio Coltelli: Café Procope. A neta de Catarina de Médici casou-se com Carlos I da Inglaterra, em 1630, e, seguindo a tradição da avó, levou a receita para os ingleses. Anos antes, porém, em 1550, Blasius Villafranca, físico espanhol radicado em Florença, descobriu ser mais fácil congelar a mistura de suco de frutas e especiarias juntando azotato de potássio à neve. Villafranca acabou legando aos florentinos a honra de produzir os primeiros sorvetes solidificados, democratizando o consumo do produto.

Reprodução Forbes

Jacob Fussell, dono da primeira fábrica de sorvete dos EUA

Ao cruzar o Atlântico com os colonizadores britânicos, o sorvete virou um astro mundial nas mãos dos americanos. Em 1851, o leiteiro Jacob Fussel abriu a primeira fábrica de sorvetes em Baltimore, sendo copiado por outros em Washington, Boston e Nova York. Em 1879, é inventado o Ice Cream Soda.

A origem da icônica casquinha tem duas versões: uma diz que ela surgiu em 1896, na Itália; outra, em 1904, nos EUA. O picolé é italiano, do início do século passado. Na mesma época, americanos lançaram a taça sundae, servida só aos domingos (com grafia diferente de Sunday, considerado dia sagrado).

A primeira sorveteria brasileira foi aberta no Rio de Janeiro, em 1835. Como na época não havia como conservá-lo, as sorveterias anunciavam a hora certa para comprar e consumir seus produtos. Por aqui, o sorvete ganhou um mérito único. Ele foi o precursor do movimento de liberação feminina: para saboreá-lo, as mulheres fizeram seus primeiros atos de rebeldia contra o machismo vigente, invadindo bares e confeitarias, lugares ocupados exclusivamente por homens. Essa é a breve história do sorvete – uma delícia empoderada!

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