Ao se arrumar de manhã para ir ao escritório da XP, empresa onde ocupa o cargo de head da área de Diversidade e Inclusão, Ana Kelly Melo dificilmente escolhe uma calça comprida para vestir. Seu visual profissional é composto por saias e vestidos que deixam à mostra a prótese que usa na perna direita, amputada abaixo do joelho por conta de um acidente na adolescência. A escolha não tem a ver com moda: é quase uma declaração a outras pessoas com deficiência, que ali elas serão ouvidas. “Eu tenho três marcadores sociais: sou preta, mulher e PcD, além de ter crescido na periferia e enfrentado uma depressão durante boa parte da minha infância e adolescência. Eu vivo tudo isso”, diz Ana Kelly Melo, a Ana K, como está no seu crachá e como pede para ser chamada.
Em março de 2020 a XP criou a diretoria de ESG e, em junho deste ano, criou o cargo que hoje é ocupado por Ana, especialmente para ela. No ano passado, realizou seu primeiro censo de diversidade. Entre os 6 mil funcionários, 21% são negros e 12,5% ocupam cargos de liderança (em 2020 eram 17% no total e 8% nas lideranças). O número de mulheres passou de 26% para 36% nos últimos 12 meses, sendo que hoje 26% são líderes, contra 12% em janeiro. Além dos grupos compostos por negros e mulheres para criar abertura na empresa, há o grupo para PcD e LGBTQIA+. Uma parte dessa transformação vem sendo conduzida por Ana desde que assumiu seu posto. “Quando eu cheguei, há três anos, não existiam ações para a diversidade. Mas percebi que o mercado copiava a XP e que, se eu começasse a mudar isso, muita gente iria atrás.”
Busca por desafios
Aos 30 anos, Ana K não adota no dia a dia o nome do crachá por acaso. Ocupar a cadeira em que está hoje é, para ela, uma consequência de sua história de vida. “Toda a minha trajetória me trouxe para o lugar que tenho hoje na XP, você vai entender que não podia ser diferente”, disse, no começo da conversa. Nascida em uma área periférica da Grande São Paulo, Ana começou a vida profissional atuando na Ong criada pela mãe, entregando marmitas ou participando de mutirões habitacionais. Para financiar o trabalho, sua mãe fazia parcerias com grandes empresas e Ana a acompanhava nas apresentações. “Eu via aqueles executivos e pensava que queria ser como eles, desde criança eu queria ser aquelas pessoas”, conta. Foi com essa ideia que ingressou na faculdade de economia, que acabou por não concluir, na mesma época em que passou pelo acidente que transformaria a sua vida. “Quando abri os olhos e percebi que não tinha morrido, achei que fosse um sinal para que eu mudasse minha maneira de ver o mundo.”
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Ao participar dos primeiros processos seletivos voltados a pessoas com deficiência, Ana se deu conta que sempre era designada para vagas administrativas que exigiam pouco dela. Foi caixa de banco, assistente de secretária e trabalhou na prefeitura de Barueri (SP) até candidatar-se a uma vaga na XP para fazer a admissão dos colaboradores. De novo, um cargo sem grandes desafios. “Na primeira semana, o diretor me perguntou se eu estava gostando e respondi que não – e que não deveríamos fazer isso com outras PcDs”, diz. Assim, abriu espaço para um questionamento que levou a algumas das mudanças que vêm sendo feitas hoje na empresa e no mercado financeiro. “A diversidade provoca as pessoas a pensarem diferente.”