Quando os galeristas suíços Ernst Beyeler, Trudi Bruckner e Balz Hilt passaram a frequentar uma incipiente feira de arte conhecida como Kölner Kunstmarkt, aberta em 1967 em Colônia, na Alemanha, um novo mundo cheio de possibilidades se revelou diante de seus olhos. Inspirados pelo que acabavam de ver, o trio decidiu levar a ideia à sua cidade natal, Basel. A feira de Colônia tinha alguns defeitos. Era voltada majoritariamente às galerias alemãs e não promovia a arte internacional, mas os três galeristas eram empresários perspicazes e estavam obstinados em fazer algo diferente, algo único na história das exposições de arte. E Basel era o lugar perfeito para isso.
Localizada na tripla fronteira entre Suíça, Alemanha e França, Basel é a terceira maior cidade da Suíça, atrás de Genebra e Zurique, sendo considerada a capital cultural por seus mais de 40 museus e inúmeras galerias e antiquários. Além da localização privilegiada no coração do velho continente e da inclinação natural para as artes, a cidade havia sido ocupada por uma nova classe de consumidores do período pós-guerra, com relevante potencial para o mercado de arte.
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ART BASEL, EM BASEL
A primeira edição da feira batizada de “Arte” foi aberta em 12 de junho de 1970 e recebeu mais de 16 mil visitantes que se perderam entre as obras dos 110 exibidores, de dez nacionalidades. A grande diferença da feira de Basel, que a transformaria na mais famosa feira de arte contemporânea do mundo, foi a diversidade de escopo das obras expostas. A feira, diferente do que existia à época, não se destinava apenas aos refinados colecionadores europeus em busca de arte moderna, mas sim aos jovens colecionadores do mundo inteiro, à classe emergente dos amantes das artes e, é claro, aos jovens artistas.
Em 1975, na sexta edição, já eram 300 os exibidores de 21 nacionalidades diferentes. Quatro anos mais tarde, para comemorar a décima edição da Art Basel, a feira lançou um novo setor chamado de “Perspectiva”, que promoveu as apresentações de 16 artistas pouco conhecidos à época. Entre eles estavam os britânicos Julian Opie e Tony Cragg e a dupla de suíços Peter Fischli e David Weiss, entre outros que mais tarde se tornariam grandes destaques na cena da arte contemporânea mundial.
Em 1989, uma edição especial foi feita para celebrar os 150 anos da fotografia, transformando a feira numa referência internacional da mídia. Já em 1993, um novo setor, denominado “Young Galleries,” foi adicionado à feira para promover as galerias ainda não consolidadas no mercado. Esse setor foi substituído em 1996 pelo “Art Statements”, que passou a ceder espaço a exposições de novos artistas, para dar visibilidade aos seus trabalhos.
BRASIL EM BASEL
Foi Luisa Strina, uma das mais importantes galeristas do país, quem debutou a presença brasileira na feira de Basel. Ela estava expondo seu estande na feira de Colônia no início dos anos 90 quando foi convidada pela então diretora da Art Basel a expor na feira. “No início ia eu e mais uma única assistente, nós mesmas montávamos o estande da galeria. O público e a feira em geral eram muito menores; era algo realmente muito exclusivo, eu fui a única galerista latino-americana por cinco anos. Depois entraram também a Kurimazutto e o Marcantonio Vilaça”, recorda Strina, citando uma renomada galeria mexicana e o célebre marchand brasileiro, que empresta nome a um dos mais prestigiados prêmios de artes plásticas do Brasil. Ela conta que naquela época a feira, apesar de já ter relevância internacional, ainda era algo consumido somente por grandes colecionadores e galeristas. “Éramos (os galeristas) todos muito próximos. De meia em meia hora, aparecia um ou dois clientes… Como a feira não era movimentada, os colegas suíços traziam televisões de suas casas e ficávamos assistindo aos jogos quando coincidia com a Copa do Mundo. À noite, saíamos juntos para jantar. Era bem diferente de hoje”, completa.
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EXPANSÃO GLOBAL
Com a chegada dos anos 2000, a expansão da feira já estava mais do que prevista. Samuel Keller, então diretor da feira, inaugurou o novo milênio com a introdução de novas tecnologias e mídias. A Art Basel começava a quebrar o conceito clássico de exposição, dando lugar às mais ambiciosas formas de expor: instalações, esculturas monumentais, pinturas em larga escala, trabalhos em vídeo e performances artísticas.
Em 2001, a inauguração da Art Basel de Miami Beach já tinha data e lugar para começar e já havia cinco galerias brasileiras confirmadas para o evento. Miami foi uma localização escolhida propositalmente por estar justamente entre os territórios latino e norte-americanos. O objetivo era ampliar as fronteiras da feira de Basel, tornar os artistas da América mais visíveis e levar a arte para o outro lado do oceano.
Em função dos terríveis acontecimentos de 11 de setembro daquele ano, a feira de Miami foi adiada para o ano seguinte. Então, em dezembro de 2002, começava uma nova página para a Art Basel. A feira alcançava, de fato, um patamar intercontinental, e Basel deixava de ser o nome de uma cidade para se tornar uma marca global.
Outra importante galerista brasileira que passou a marcar presença na feira em 2003 foi Nara Roesler, que levou à feira de Miami um projeto especial da artista paulistana Laura Vinci. Mais tarde, em 2007, ela levou, a convite dos organizadores da Art Basel, o brasileiro Hélio Oiticica. Lá, eles montaram uma enorme piscina, para dar vida a uma Cosmococa, um tipo de instalação idealizada por Oiticica e pelo cineasta brasileiro Neville D’Almeida. “Foi um sucesso, nós já tínhamos construído uma na galeria de São Paulo, mas fazer isso na Suíça foi realmente ousado. As pessoas podiam interagir, se jogar, o diretor da feira ficou enlouquecido”, recorda Roesler.
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No mesmo ano, ela também realizou um outro projeto na feira com Abraham Palatnik, artista pioneiro da arte cinética no Brasil, momento que ficou marcado para a galerista. “Nunca vou esquecer, apresentamos o Palatnik em Basel e vendemos o estande inteiro. Isso é muito raro de acontecer em uma feira”, conta Roesler. Curiosamente, Strina também vendeu o estande inteiro certa vez, mas a história é um pouco diferente. “Uma vez, eu estava indo para Basel e minha carga ficou toda presa na alfândega brasileira. Eu cheguei lá sem nada. Em dois dias consegui, junto a amigos e colegas galeristas suíços e brasileiros que lá estavam, montar algo para expor e, ironicamente, vendi tudo”, contou ela.
Em 2012, já sob a direção do atual diretor global da feira Marc Spiegler, a expansão asiática da marca começou a tomar forma e, no primeiro trimestre de 2013, a Art Basel Hong Kong abria as portas pela primeira vez. A feira de Hong Kong começou pelos mesmos motivos que a de Miami: era preciso expandir. Desta vez, o mercado e os artistas asiáticos estavam sob os holofotes e um novo, e riquíssimo, polo artístico se inaugurava.
Em 2020, no ano que marca o aniversário de 50 anos da feira, todas as edições foram canceladas em razão da pandemia da Covid-19. Novas mídias e tecnologias foram rapidamente adequadas e durante todos esses meses os seus organizadores têm promovido visitações online, palestras, conteúdos digitais e conversações virtuais conectando, de fato, o mundo inteiro pela rede. E assim, antecipando anos de mudanças, em poucos meses, iniciou-se, talvez, uma nova era para a Art Basel – e para a arte.
Reportagem publicada na edição 81, lançada em outubro de 2020
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