Como Reed Hastings, o criador da Netflix, reescreveu o script de Hollywood

11 de setembro de 2020
Ernesto S. Ruscio- Correspondente/ GettyImage

CEO e cofundador da maior plataforma de streaming do mundo aposta em modelo de autonomia dos funcionários e lista de talentos

O homem responsável por manter o mundo entretido faz tudo, pelo menos hoje em dia, sozinho, na frente de uma tela de computador, no quarto de seu filho. De certa forma, é o cenário perfeito para Reed Hastings, o despretensioso cofundador e coCEO da Netflix, cujo exército global de inovadores revolucionou o entretenimento doméstico. Enquanto Hollywood mede os escritórios pelo tamanho, o analítico Hastings –um intruso do Vale do Silício– valoriza a funcionalidade em vez das armadilhas tradicionais da indústria.

Atualmente, a Netflix funciona em altíssimo nível. Enquanto o ano da pandemia subverte as empresas de entretenimento –os parques temáticos da Disney, os sucessos de bilheteria liberados da Warner Bros e os cinemas fechados da AMC– a Netflix está tendo seu momento de brilho. Um momento de prestígio, com um recorde de 160 indicações ao Emmy, ultrapassando a HBO, há muito tempo dominante na premiação, e maior presença no Oscar do que qualquer outra empresa de mídia. Um momento de influência, somando quase tantos clientes nos primeiros seis meses deste ano do que em todo o anos de 2019, estendendo seu alcance para quase 200 milhões de assinantes em 190 países. E, por fim, um momento de ganhos, com vendas aumentando 25% ano após ano, lucros mais do que dobrando e seu ações se valorizando em 50%, já que a maior parte do mercado gira descontroladamente apenas para zerar as contas. Capitalização de mercado atual: US$ 213,3 bilhões.

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Todos esses dados servem como informação sobre os gostos de seus usuários. “Basicamente, queremos ser melhor na criação de histórias de que as pessoas queiram falar e assistir do que qualquer um de nossos concorrentes”, diz Hastings à Forbes.

Os rivais receberam o memorando e gastaram bilhões para enfrentar a Netflix, seja por meio do Disney+, do HBO Max da WarnerMedia ou do novo Peacock da NBCUniversal. Hastings fala encolhendo os ombros: “O que as pessoas esquecem é que sempre foi uma competição intensa. Por exemplo, a Amazon começou o streaming ao mesmo tempo que nós, em 2007. Portanto, estamos competindo com a Amazon há 13 anos”.

Justo. Mas, para a Amazon, o streaming certamente tem sido um líder em perdas que pode gerar compras no Prime. Para Jeff Bezos, o entretenimento sempre será uma atividade secundária. Hollywood, enquanto isso, pode aproveitar suas bibliotecas de conteúdo e know-how, mas o que faz a Netflix funcionar é algo quase impossível de as empresas baseadas no ego e na imagem replicarem: uma cultura de desapego e transparência, combinada com reinvenção perpétua e rápida.

Tudo isso veio à tona em meio ao momento mais perturbador para o entretenimento em pelo menos uma geração. De certa forma, Hastings, que está na posição 132 da lista Forbes 400, dos norte-americanos mais ricos, com um patrimônio líquido de US$ 5 bilhões, tem se preparado para esse momento nas últimas duas décadas. O que o homem de 59 anos faz agora e como ele alavanca essa cultura –uma cultura incomum mesmo para os padrões da indústria de tecnologia– determinará o que você vai assistir, rir com e chorar sobre nas próximas duas décadas.

Jeitinho Netflix

Se Hastings parece estranhamente confortável em meio ao desastre do ano de 2020, talvez seja porque a cultura de sua empresa foi criada na crise. Um negócio nascente em 2001, a Netflix viu seu financiamento secar após o estouro original das pontocom. Então, veio o 11 de setembro. Com a aproximação do fim daquele ano terrível, Hastings precisou demitir um terço de seus funcionários.

Para fazer isso, ele e Patty McCord, chefe de talento da Netflix, tentaram diligentemente identificar os de melhor desempenho, chamando-os de “detentores”. À medida que se aproximava o dia da demissão em massa, ele estava tenso, temendo que o moral despencasse, com os que permaneciam ficando amargos com o aumento da carga de trabalho.

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O oposto ocorreu. Com os funcionários meramente competentes afastados, o escritório estava energizado, “fervilhando de paixão, energia e ideias”. Hastings descreve as demissões como sua “experiência no caminho para Damasco”, um momento esclarecedor que mudou sua compreensão da motivação e liderança dos funcionários. Ele estabeleceria a base para o que pode ser chamado de Netflix Way, o sucessor da era da web do HP Way, abordagem de gestão pioneira de Bill Hewlett e David Packard que criou uma das primeiras histórias de garagem para a grandeza do Vale do Silício.

O Netflix Way, o Jeito Netflix, começa com a construção de uma lista de talentos de elite. No novo livro de Hastings, “A Regra É Não Ter Regras”, ele compara a cultura de sua empresa à de um time profissional de esportes –um que trabalha e se esforça um pelo outro, mas não derrama lágrimas quando um colega de equipe é descartado em favor de uma melhora na equipe. Os troféus perenes exigem a contratação perpétua de artistas de alto desempenho.

Ricardo Ceppi/Getty Images

Parte do elenco da série de sucesso “Stranger Things”, da Netflix

Então, o que isso realmente significa em termos de funcionamento da Netflix? Primeiro, vale a pena garantir o talento certo. Essa prática começou em 2003, quando a Netflix começou a competir com Google, Apple e, em depois, Facebook cujas habilidades de codificação, depuração e programação altamente refinadas superaram dramaticamente seus pares médios. Ele estendeu essa generosa compensação aos executivos criativos que trabalham em Hollywood, desde os com mais conexões (Matt Thunell, cujos laços com a comunidade de talentos o permitiram ler um primeiro rascunho da série de ficção científica “Stranger Things” durante um almoço em Hollywood) aos visionários (Shonda Rhimes, Joel e Ethan Coen e Martin Scorsese). A cooperação trouxe como sucessos iniciais as séries “House of Cards” e “Orange Is the New Black”.

“No início, fomos capazes de atrair pessoas rebeldes, que foram sufocadas pelo ambiente do estúdio ou que não foram longe o suficiente no sistema para serem arruinadas”, diz Patty. “Nós apenas passamos grandes cheques. ‘Eu sei que parece loucura. Eu sei que você não tem um assistente pessoal e não consegue nem uma vaga de estacionamento. Mas que tal darmos a você essa grande pilha de dinheiro?’”

Essas pilhas são entregues de forma limpa. Os pacotes de pagamento da empresa vêm integralmente como salário, com tanta ou tão pouca compensação quanto você desejar em opções de ações; a Netflix não acredita em bônus, uma vez que Hastings acha que pode recompensar as coisas erradas. “São as especificidades de tentar responsabilizar alguém que tropeça em você”, diz ele, acrescentando: “Nós avaliamos as pessoas, mas não microgerenciamos as metas”.

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Como consequência, porém, essas pessoas, todas pagas como estrelas, devem continuar a funcionar como tais. Nenhuma parte da empresa tolera comodismo após atingir as metas. “Desempenho adequado recebe um pacote de indenização generoso”, escreveram Hastings e Patty em uma apresentação de 129 páginas no SlideShare sobre a cultura da Netflix, amplamente compartilhada há uma década e por anos presente no site da empresa.

“Nós descrevemos isso como ser cortado de uma equipe olímpica. E é super decepcionante. Você treinou toda a sua vida para isso, você é cortado, e isso é de partir o coração”, diz Hastings. “Mas não há vergonha nisso. Você tem a coragem de tentar.”

Estendendo a analogia do esporte, essa equipe de jogadores de elite, ao confiar nas habilidades excepcionais uns dos outros, se comunicará abertamente e coletivamente para melhorar o jogo. De certa forma, é parecido aos tão promovidos “Princípios” de transparência brutal de Ray Dalio na Bridgewater Associates, o maior fundo de hedge do mundo. E não é para todos. Um ex-executivo descreve o ambiente de trabalho como uma “cultura do medo” em que “todos estão se machucando a cada momento –porque você é recompensado”. O processo de revisão anual, denominado “360”, culmina em jantares nos quais pequenos grupos se reúnem para fornecer feedback construtivo.

“Cada um dá um feedback sobre aquela pessoa, ao vivo, na frente de todos”, diz o ex-executivo, que pediu anonimato. “Você dá a volta na mesa. Isso dura horas. As pessoas choram. Então você tem que dizer ‘Obrigado, porque isso está me tornando uma pessoa melhor.’”

Para Hastings, essas análises “360” são um componente necessário por causa de outro elemento do Netflix Way: uma grande quantidade de autonomia. Como o treinador que ganha campeonatos ao capacitar as estrelas para executar o plano de jogo em vez de tentar controlar cada jogada, Hastings incentiva a liberdade de agir no melhor interesse da empresa.

Jemal Countess

Ted Sarandos é coCEO da Netflix

Novamente, isso pode ser desconcertante. Ted Sarandos, coCEO de Hastings, fala sobre uma pausa para o café com Hastings nos dias pré-streaming, quando ele era o diretor de conteúdo e decidia se pedia 60 cópias de um novo filme alienígena ou 600. Sarandos casualmente perguntou a Hastings quantos ele deveria pedir, e Hastings respondeu: “Oh, não acho que isso vai ser popular. Apenas alguns. ”

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Em um mês, o filme estava em alta demanda e a Netflix estava sem estoque. Hastings perguntou a Sarandos por que ele não havia pedido mais DVDs. “Porque você me disse para não fazer isso!”, Sarandos protestou. Hastings interrompeu a conversa imediatamente, declarando: “Você não tem permissão para me deixar nos atirar de um penhasco!”

“E para mim, essa foi uma lição imediata”, diz Sarandos agora. “Com todo esse poder de decisão vem a responsabilidade. Reed fala isso repetidamente, e ele deixa você ser responsável pela vitória e ele faz você ser responsável pela perda.”

“Normalmente, as empresas se organizam em torno da eficiência e da redução de erros, mas isso leva à rigidez”, diz Hastings. “Somos uma empresa criativa. É melhor se organizar em torno da flexibilidade e tolerar o caos.”

A construção da liderança

Hastings tem o tipo de experiência que permite não temer o fracasso. Seu bisavô materno, Alfred Lee Loomis, foi um magnata de Wall Street que previu a quebra iminente do mercado de ações de 1929, depois voltou sua atenção para a ciência, financiando um laboratório que atraiu luminares como Albert Einstein, Enrico Fermi e Ernest Lawrence. Hastings cresceu em um subúrbio afluente de Boston –seus pais se conheceram enquanto seu pai estava em Harvard, sua mãe em Wellesley– e frequentou escolas particulares. Ele passou dois anos no Corpo da Paz na Suazilândia, ensinando matemática para alunos do ensino médio, e mais tarde obteve o diploma de mestre em ciência da computação em Stanford.

Divulgação

Patty McCord ajudou a moldar a cultura distinta da Netflix como diretora de talentos

Em 1991, Hastings fundou sua primeira empresa, a Pure Software, especializada em programas para medir a qualidade de software. Naquela época, ele era um geek que dormia no chão do escritório após uma sessão de programação exaustiva. Patty, que ajudou a formalizar a cultura da Netflix, observou o empresário amadurecer como líder. Ela se lembra de ter encontrado Hastings em seu escritório tarde da noite, consertando bugs no brilho de seu computador em vez de preparar comentários para uma reunião da empresa no dia seguinte. “Sério, Reed, se você quer que eles sigam, lidere”, Patty se lembra de ter dito a ele. “E eu bati a porta. No dia seguinte, ele fez um discurso e foi aplaudido de pé. Eu não acho que ele sabia que tinha isso nele. Ele percebeu que seu trabalho era inspirá-los, não fazer o trabalho.”

A Pure Software abriu seu capital em 1995, fundiu-se em 1996 com uma empresa pouco conhecida de Massachusetts, a Atria Software, e foi subsequentemente engolida pela Rational Software em um negócio que a PitchBook avaliou em cerca de US$ 700 milhões. Um tremendo sucesso, mas que veio com tensão em seu casamento. O aconselhamento ajudou Hastings, antes evitador de conflitos, a se abrir –e eventualmente ele incorporaria o valor da franqueza como base da cultura da Netflix. “As pessoas fogem da verdade, e a verdade não é tão ruim”, diz ele.

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Pelos padrões do Vale do Silício, a Pure Software teve uma saída bem-sucedida. Mas isso deixou Hastings com uma insatisfação persistente. No início, havia inovado. À medida que amadurecia, como quase todas as empresas, desenvolveu políticas para se proteger contra erros, em vez de assumir riscos inteligentes. A Pure acabou promovendo pessoas “que eram ótimas em colorir dentro das linhas”, diz Hastings, enquanto os rebeldes criativos ficavam frustrados e iam trabalhar em outro lugar.

Essa era a mentalidade de Hastings quando, de acordo com a lenda popular, ele teve uma epifania depois de levar ter de pagar US$ 40 de multa por atraso com o filme “Apollo 13”, na Blockbuster. “E se não houvesse multas por atraso?”, ele ponderou, e a ideia para a Netflix surgiu totalmente formada.

Mudando o canal

A Walt Disney Company continua a ser a maior empresa de entretenimento do mundo, mas a Netflix é a empresa recorde quando se trata de retorno sobre o investimento. “É uma boa história”, diz o cofundador da Netflix, Marc Randolph, que trabalhou com Hastings, na Pure. “E de uma maneira, a Netflix tem como objetivo contar boas histórias.”

A história de origem da Netflix é mais complicada do que as narrativas convenientes. Ela eclodiu em inúmeras sessões de brainstorming, enquanto Hastings e Randolph viajavam juntos pelas montanhas de Santa Cruz até a sede da Pure em Sunnyvale, Califórnia.

Lançada em 1997, a plataforma Netflix se tornou conhecida pelos envelopes vermelhos enviados pelo correio, um pivô do modelo de aluguel da Blockbuster. Inicialmente, ela ganhou a maior parte de seu dinheiro vendendo DVDs, diz Randolph. Isso colocou a jovem startup em uma rota de colisão eventual com a de Jeff Bezos, a Amazon.

Porém, a Netflix estourou em 1999 com um modelo de assinatura –os clientes alugavam até três filmes por vez, sem se preocupar com uma data de devolução específica ou incorrer em multas por atraso. Com uma estratégia bem melhor, embora ela causasse um grande problema, Hastings atraia clientes com testes gratuitos de um mês. Randolph lembra de ter voado com Hastings para Dallas para tentar convencer o CEO da Blockbuster, John Antioco, a comprar a Netflix por US$ 50 milhões. O chefe da gigante do entretenimento doméstico de US$ 6 bilhões na época rejeitou a ideia imediatamente. “O que tínhamos a oferecer que eles próprios não poderiam fazer de forma mais eficaz?”, Hastings reflete.

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Após a retomada em 2001, os negócios da Netflix começaram a se firmar e crescer, levantando US$ 82,5 milhões por meio de sua oferta inicial de ações em 2002 (IPO, na sigla em inglês). Tornou-se em um negócio muito bom, pois os assinantes escolheriam DVDs da biblioteca abrangente da Netflix.

Justin Sullivan/ Getty Images

Esses antigos envelopes de inscrição que a Netflix usava

Então, em 2007, a banda larga trouxe a oportunidade de streaming. Ansioso para garantir que ninguém fizesse com a Netflix o que havia acontecido com a Blockbuster, Hastings começou a investir dinheiro e recursos de engenharia no que era essencialmente um brinde para os assinantes de DVD existentes. Foi um momento fatídico. Os negócios antiquados da Netflix permitiam escolhas praticamente infinitas, embora dentro dos limites de disponibilidade de estoque e atrasos de entrega. O streaming oferecia gratificação instantânea, mas a Netflix não seria capaz de igualar a amplitude do conteúdo por causa dos acordos das emissoras de Hollywood. Mas, pela primeira vez, Hastings teve que entender os gostos das pessoas e oferecer uma proposta atraente.

“Quando alguém senta em frente à TV para assistir Netflix, temos o momento da verdade: precisamos de alguns minutos, talvez só 30 segundos para chamar sua atenção com algo interessante”, diz o ex-chefe e diretor de produto, Neil Hunt, que implantou uma equipe de 2.000 membros para resolver esse enigma– a maioria trabalhando de forma independente, segundo a cultura da empresa.

A Netflix também precisava encontrar uma maneira de cobrar pelo serviço on demand –especialmente depois de gastar tanto para licenciar conteúdo de streaming quanto para comprar DVDs.

A corrida para capitalizar o futuro do streaming configurou o que Hastings chama de o maior erro na história da empresa: a decisão em 2011 de separar o envelhecido negócio de DVD da empresa em um serviço à parte chamado Qwikster. Os críticos destruíram a ideia, e o próprio Hastings se tornou tema de comédia para o famoso show de comediantes norte-americano, “Saturday Night Live”, que parodiou seu vídeo no YouTube se desculpando pelo erro. O desastre custou à Netflix milhões de assinantes, e suas ações caíram mais de 75%.

Hastings, em prantos, se desculpou por prejudicar a empresa em um retiro administrativo em um fim de semana meses depois. Acontece que dezenas de gerentes já tinham dúvidas sobre o Qwikster, mas mantiveram suas dúvidas para si mesmos. Isso levou Hastings a instituir a prática de buscar ativamente a dissidência antes de lançar qualquer nova iniciativa.

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Mesmo antes do passo em falso, alguns executivos do estúdio zombaram a Netflix como uma ameaça competitiva. “É algo como: o exército albanês vai dominar o mundo?”. O presidente-executivo da Time Warner, Jeff Bewkes, disse em uma entrevista em 2010. “Acho que não.”

“Durante todos os anos críticos, de 2010 a 2015, Bewkes pensava que a internet e os preços eram uma tolice”, diz Hastings, observando que ele ainda tem aqueles crachás de militares albanêses, que ele usava em seu pescoço como motivação. “E isso o fez nos ignorar, até que fosse tarde demais.”

Quando Hollywood começou a ficar mais esperta, a Netflix começou a financiar sua própria série original –começando com uma aposta de US$ 100 milhões de Sarandos em 2011 no thriller político “House of Cards”, do diretor David Fincher. “O que algumas pessoas chamavam de pagar caro por esse conteúdo naquela época, a Netflix sabia muito bem que valia o que eles estavam construindo”, diz o CEO do Tinder, Jim Lanzone, um antigo empresário da internet e o diretor digital da CBS na época .

“Mudar o curso da empresa envolve investimento e riscos que podem reduzir a margem de lucro do ano”, escreve Hastings em seu livro, “O preço das ações pode cair com isso. Que executivo faria algo assim?”. Ao contrário dos executivos de Hollywood, cujos bônus são atrelados à geração de lucros operacionais, Hastings garante que seus executivos não terão medo de sofrer um golpe financeiro ao assumir um risco.

A pandemia da Covid-19 deu à cultura inovadora da Netflix um teste de estresse adequado. Enquanto a produção de cinema e da televisão era interrompida em Nova York e Hollywood durante o primeiro semestre, a máquina de conteúdo global da Netflix começou a ganhar vida. Como em muitas empresas, as reuniões eram retomadas nas salas de estar, quartos e cozinhas, salas de escritores virtuais eram montadas e os animadores trabalhavam de home office. Autonomia remota não era algo que a equipe da Netflix precisava aprender. E como Hastings passou grande parte da última década focando internacionalmente nisso, a produção de conteúdo foi retomada de forma relativamente rápida na Islândia e na Coreia do Sul, que têm sido agressivas em relação a testes e rastreamento.

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Foto do enigmático, Joe Exotic, personagem da série documental de sucesso durante a pandemia, “Tiger King: Morte, Caos e Loucura”

Enquanto isso, os rivais perdiam os lançamento de destaque, como o especial de reunião da série de sucesso, “Friends”, pela HBO Max, ou os Jogos Olímpicos de Verão em Tóquio, um pilar para a NBCUniversal. A Netflix continuou seguindo em frente, com programas que capturaram o zeitgeist cultural, seja com obsessões cômicas como a da série documental de massivo sucesso, “Tiger King: Morte, Caos e Loucura”, ou um reality show bobo baseado nas brincadeiras de quando éramos crianças, “O Jogo da Lava”, ou em filmes de ação cheios de adrenalina como o “Resgate”, estrelado por Chris Hemsworth.

“Stream Dream”

A Netflix aumentou as assinaturas de streaming em mais de oito vezes desde 2010 e, nos últimos três anos, mais do que dobrou seus assinantes internacionais.

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Sim, alguns programas deram sorte. Mas a empresa tem volume e dados para ajudar a criar sorte. “Uma coisa que não é amplamente entendida é que trabalhamos diferente em relação à indústria hollywoodiana, lançamos todos os nossos programas e todos os episódios de uma só vez”, disse Sarandos a investidores em abril. “E estamos trabalhando muito em todo o mundo.”

O mundo se mostrou receptivo. Com cinemas paralisados, esportes adormecidos até recentemente e televisão oferecendo o equivalente a sobras requentadas, a Netflix adicionou cerca de um milhão de assinaturas por mês nos Estados Unidos e Canadá desde o início da pandemia e outros dois milhões por mês em nível global. O coronavírus, que acelerou tantos desenvolvimentos, inevitavelmente provará ter anunciado o momento em que o streaming se tornou a plataforma dominante de entretenimento.

Enquanto a Netflix domina seu espaço (chegando em 56% das residências nos Estados Unidos com acesso à banda larga, segundo a Parks Associates, empresa de pesquisa de mercado norte-americana), a Disney, em particular, está trazendo uma competição, com mais de 100 milhões de assinantes em seus três serviços, Disney+, ESPN+ e Hulu. O chefe da Disney, Bob Iger, apostou tudo em sua iniciativa direta ao consumidor, reunindo seu arsenal de marcas de entretenimento poderosas –Disney, Pixar Animation, Marvel Entertainment e Star Wars– para atrair assinantes para o Disney+, apostando de maneira corajosa como a Netflix, principalmente decidindo usar seu investimento de US$ 75 milhões em uma versão filmada do musical de sucesso da Broadway “Hamilton”.

Hastings reconhece o feito extraordinário da Disney de registrar 50 milhões de assinantes nos primeiros cinco meses, um marco que a Netflix levou sete anos para alcançar. Porém, ele está focado no próximo marco significativo para a Netflix: 200 milhões de assinantes ou mais. Isso significa mais investimento em conteúdo local e em todo o mundo –incluindo até US$ 400 milhões em investimento até o final do ano para Índia. Isso significa continuar avaliar seu talento para que possa continuar a capacitá-los para a tomada de decisões.

“Estou confiante de que nossa cultura nos ajudará a servir melhor os nossos membros e encontrar maneiras de satisfazer melhor do que a HBO, ou melhor do que a Disney fará”, diz Hastings. “Isso porque eles têm tantos processos internos em torno das coisas que os tornam mais lentos.”

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