A pandemia exacerbou a desigualdade em muitas dimensões da sociedade, inclusive entre casais que buscavam equilibrar as demandas de trabalho e família. No entanto, os requisitos de tempo e energia para ter uma carreira e uma família, especialmente para as mulheres, mudaram ao longo do tempo. Claudia Goldin, professora do departamento de economia de Harvard, aborda esse tema em seu livro “Career & Family: Women’s Century-Long Journey into Equity” (“Carreira & Família: A Secular Jornada das Mulheres Rumo à Igualdade”, em tradução livre).
“A história é necessária para compreender como as barreiras e as normas aparecem e depois desaparecem, e como as mudanças na economia e na sociedade afetam as mulheres”, diz a autora.
Carreiras de alto nível requerem grandes investimentos no início para colher o sucesso depois. Por isso, casais com filhos e que dividem tarefas igualmente podem ter dificuldades para conciliar trabalho e casa.
Um dos pais precisa estar de plantão com os filhos, e isso é mais frequente para as mulheres. A estrutura de trabalho e de carreira continua sendo uma barreira para muitas mulheres que esperam conseguir equilibrar uma carreira com a família. Encontrar uma maneira de atender às demandas do trabalho e das divisões entre o casal é crucial para ajudar as mulheres a alcançar a igualdade no local de trabalho.
Forbes: Por que você escreveu esse livro?
Claudia Goldin: Durante muitos anos, escrevi sobre dois aspectos da vida das mulheres.
O primeiro é a evolução das mulheres no trabalho. Isso diz respeito a por que as mulheres se tornaram metade da força de trabalho dos EUA quando eram talvez 10% no século XIX. Qual tem sido a interação entre o emprego das mulheres e sua idade no casamento? E como evoluiu a noção de que as mulheres poderiam ter uma carreira e uma família? Assim, o primeiro tópico é centrado na história da mulher, do trabalho e da família.
O outro diz respeito à equidade: equidade entre casais e equidade de gênero em termos de remuneração, promoção e ocupação. As disparidades de gênero nos rendimentos e no emprego diminuíram consideravelmente, mas permanecem.
E por quê?
Em algum momento, percebi que essas duas partes da história deviam ser reunidas. O livro enfatiza o enorme progresso que fizemos. No entanto, também demonstra o que está nos impedindo de ir mais adiante. É só porque fizemos enormes progressos na educação e no emprego, e porque muitas das barreiras foram derrubadas, que as razões para as diferenças remanescentes se tornaram tão claras.
O livro foi iniciado muito antes da pandemia, mas assumiu uma nova urgência com o lockdown. Tudo o que eu vinha dizendo sobre os motivos dessas diferenças ficou mais claro. Quando as escolas fecharam, os encargos aumentaram para todos os pais. A pandemia ampliou os fatores levantados no livro – a importância do trabalho flexível, o custo da carreira dos filhos para as mulheres e o custo para as mulheres da desigualdade do casal em relação à divisão desigual do trabalho e da família.
F: Com base em sua pesquisa, como as coisas mudaram ou não para as mulheres no local de trabalho?
CG: As mudanças na participação das mulheres na força de trabalho têm sido incríveis desde 1900. E também foram enormes desde 1950 e mesmo desde 1970.
Mas a mudança em algumas áreas não foi grande o suficiente desde, digamos, 2000. A taxa de participação das mulheres – de quase todos os níveis de educação e quase todas as faixas etárias – na força de trabalho ficou paralisada. O único grupo de mulheres que experimentou um aumento significativo de participação foi o das com mais de 55 anos, de 1990 a cerca de 2010.
A disparidade salarial entre gêneros diminuiu um pouco nas últimas duas décadas, mas não tanto quanto antes.
A diferença de renda recebe atenção considerável hoje. Geralmente expressamos a desigualdade salarial entre gêneros como um único número. Ela é a razão entre os ganhos semanais femininos e masculinos para os que trabalham em período integral durante todo o ano.
Houve um grande progresso, principalmente na década de 1980. Grande parte ocorreu porque a educação e a experiência profissional das mulheres avançaram muito em relação aos homens. Elas se prepararam melhor para empregos exigentes e permaneceram mais na força de trabalho. Mas também há uma frustração por não ter havido mais progresso.
F: Quais são os principais desafios para melhorar o que você chama de equidade do casal?
CG: O funcionário que está disposto a trabalhar a qualquer hora – à noite, nos fins de semana, nas férias e fica de plantão no escritório – recebe as maiores recompensas. Quando essas recompensas são desproporcionais ao tempo gasto, o que significa que dobrando o tempo, mais que dobram os ganhos, temos o conceito de “greedy work” [trabalho ganancioso, em tradução livre].
Não é necessariamente o número de horas, muitas vezes são “quais” horas (fim de semana, férias, hora do jantar, noite). E os relacionamentos também podem fazer parte do sistema de “crescer na empresa ou sair dela”, muito comum em empregos de alto nível. Trabalhe mais agora e obtenha grandes recompensas no futuro (por exemplo, ganhar uma promoção ou se tornar sócio).
Se um indivíduo tem filhos ou outras responsabilidades familiares, alguém deve estar de plantão em casa, mesmo que essa pessoa tenha um emprego. A pessoa “de plantão em casa” assumirá um cargo mais flexível e menos exigente que, consequentemente, paga menos.
São as mulheres que geralmente assumem essa responsabilidade. Isso é desigualdade de casal.
Por que as famílias com casais que trabalham não podem compartilhar as alegrias e os deveres de ser pais igualmente? Eles poderiam, mas se fizessem isso, estariam deixando dinheiro na mesa, muitas vezes bastante dinheiro. O casal que divide tudo igualmente poderia ser mais feliz, mas seria mais pobre.
Se o trabalho fosse menos “ganancioso”, o preço da igualdade do casal seria reduzido.
A pandemia diminuiu o custo da flexibilidade de várias maneiras. Empresas e funcionários aprenderam a usar tecnologias que permitem reuniões remotas, inclusive aquelas com grande número de participantes.
Embora tenhamos softwares de teleconferência desde a década de 1990, não dependíamos muito dessas ferramentas até recentemente. O número de horas de trabalho pode permanecer o mesmo, mas os funcionários têm mais controle sobre quais horas são livres, como as horas antes de uma criança ir para a cama ou quando a família se reúne para jantar.
Se uma reunião com um cliente em Tóquio ou Pequim puder ser realizada com eficiência sem a necessidade de pegar um avião, a pessoa que precisa estar em casa à noite com o filho pode aceitar esse trabalho – e essa pessoa provavelmente será uma mulher.
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