Conheça três nomes da gastronomia que temperam o mundo com o sabor brasileiro

12 de abril de 2020
Carol Gherardi

O arroz de linguiça bragantina (feita de carne de pernil de porco), costelinha e quiabo, do chef Rodrigo Oliveira

“O Mocotó é muito mais acontecido do que planejado”, confessa Rodrigo Oliveira, o chef que transformou o antigo Seu Zé, bar da Vila Medeiros fundado por seu pai, em um destino gastronômico reconhecido internacionalmente: “Quando a gente começou, a cozinha sertaneja era associada a uma comida pesada, pobre, grosseira, e conseguimos reconhecimento nacional e internacional. Nosso grande feito é tornar a ‘linguagem’ que é a comida brasileira e sertaneja uma língua universal. Demonstra que o viajante internacional, o alto público, pode sim ir até a Vila Medeiros comer uma cumbuca de mocofava e entender que isso também é gastronomia”.

Depois da Zona Norte de São Paulo, Oliveira foi aos poucos conquistando a cidade inteira. Nascia o Esquina Mocotó no mesmo bairro do primeiro restaurante – o local, respeitadíssimo, chegou a receber uma estrela Michelin e constar na lista 50 Best. Depois do Esquina (que encerrou as atividades em 2018) veio o Mocotó Café, com pontos no Mercado de Pinheiros e no Shopping D. Junto com a inauguração do Instituto Moreira Salles, em 2017, o chef abriu as portas do Balaio: “Enquanto o Mocotó fala do sertão e o Esquina falava da Pauliceia, o Balaio fala do Brasil. Tem uma abordagem mais abrangente do que é o país: ele não compartimenta, faz uma cozinha livre, autoral”, resume.

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Carol Gherardi

Chef Rodrigo Oliveira

O caçula dos restaurantes de Oliveira terá uma filial em Los Angeles. Em parceria com o restaurateur Bill Chait, o Balaio californiano vai funcionar dentro do hotel Thompson Hollywood, que será inaugurado em 2020. “Vamos levar para fora uma cozinha livre, não estereotipada, não estigmatizada. Teremos clássicos, mas eles vão dialogar com a Califórnia, que também tem produtos incríveis. A ideia é a apresentação de um Brasil moderno, pulsante, leve, fresco e autoral.” O rooftop do local também terá sua assinatura.

Carol Gherardi

A sobremesa do Balaio IMS: figo, mel e erva-doce

“O mundo está com os olhos voltados para a cozinha latina. O momento para empreender nessa área não podia ser melhor.” Rodrigo Oliveira

Entusiasta e agente ativo da cena gastronômica brasileira, Oliveira acredita no potencial da culinária local para transformar realidades: “Isso tem tudo para acontecer. Gosto muito do termo ‘gastrodiplomacia’, que é usar a comida como uma ferramenta de exportar a cultura e atrair turismo, reconhecimento e investimentos. O país tem tudo para virar um grande expoente gastronômico porque nós temos produtos, histórias, diversidade… O mundo está com os olhos voltados para a cozinha latina. O momento para empreender nessa área não podia ser melhor”.

O SUCESSO QUE NASCEU DA PICANHA

Divulgação

O português Olivier da Cost

“Costumo brincar que todo este império veio da picanha”, ri Olivier da Costa, 44 anos. Mas o falante português não está muito longe da verdade quando diz isso. O “chefpreneur”, cozinheiro-empresário, comanda 13 estabelecimentos (sete deles inaugurados em 2019) que devem render neste ano € 24 milhões.

A maior parte dos restaurantes fica em Lisboa, onde o empreendedor nasceu e começou um negócio de restauração – mas um dos seus maiores sucessos é, na verdade, brasileiro. O conceito do Seen São Paulo, no hotel Tivoli Mofarrej, foi tão bem que Costa abriu uma casa da marca na capital portuguesa, no fim do ano passado, e outra em Bangcoc, em 2019. A Tailândia também deve receber ainda este ano um beach club com a bandeira Seen.

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O tartare de carne com gema do Seen

A chancela responde por mais da metade da receita dos negócios do obstinado Costa. “De dois em dois anos, dobro o faturamento. Quero que passe de € 24 milhões para € 48 milhões em dois anos. Não sei como vou fazer. Mas vou fazer.”

Muito mais empresário do que chef, apesar de posar de dólmã e ter se formado em uma escola profissional portuguesa, Costa vê a si mesmo como um homem de negócios. Ainda adolescente, vendia camisetas com pequenas falhas de qualidade (que comprava com desconto). Tentou ser jogador profissional de golfe. “Mas, em certa altura, decidi que queria ser milionário”, conta. E adeus, golfe.

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Foi quando, a reboque do pai (também chef), ele enveredou pelo caminho dos restaurantes. O primeiro, em 1996, ficava no Castelo de São Jorge, cartão-postal de Portugal. Por não ser um cozinheiro de assinatura, Costa focou sua carreira em montar estabelecimentos que dessem certo comercialmente. “Nunca quis enveredar pelo caminho do Michelin. Como qualquer negócio, meu objetivo final é lucro. Não faço as coisas para ser conhecido”, garante, categórico.

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A cozinha do chef Olivier

Ele conta que, durante toda a carreira, abriu 37 restaurantes, sem perder nenhum centavo. “Posso não ter ganhado, mas não perdi”, jura. Um dos primeiros negócios, o que deu o pontapé inicial ao pioneirismo do português na terrinha, tem também raiz no Brasil. “Sou conhecido em Portugal por ter aberto as portas da gastronomia e ter trazido produtos novos como as vieiras, o foie gras, o petit gâteau, o queijo feta, a carne maturada…” E a picanha, que ele difundiu no país europeu, é tida como case de sucesso até hoje.

Costa, porém, não se prende a um único estilo – ele se autodefine como um “fazedor de conceitos”. “Na restauração [área de restaurantes], é importante a localização, a decoração, a luz, o serviço e, por fim, a comida”, filosofa.

Esta entrevista à Forbes foi concedida durante passagem do empresário por São Paulo para inaugurar outro empreendimento, este trazido de Portugal e com ideia muito diferente do Seen. O Savage, de comida casual, é uma “dark kitchen”, cuja cozinha atende apenas delivery – essa tendência de restaurantes sem salão começa a se firmar.

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O drink Liffey, do Seen, que traz madeira de jatobá defumada na receita

Ambicioso, o chef lisboeta vê o Savage com potencial para se tornar um novo McDonald’s. “Quero ser o maior empresário da restauração em Portugal – e ser reconhecido no mundo por isso.”

BRASIL À LA FRANÇAISE

Julie Limont

O chef Raphael Rego, em ação na cozinha do parisiense OKA

Raphael Rego partiu para a Austrália aos 18 anos com o objetivo de se graduar em marketing – plano que foi logo abandonado quando arranjou seu primeiro trabalho, como assistente em uma cozinha Relais & Châteaux. Lá ele teve o click do que realmente queria fazer na vida.

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“Decidi que o meu negócio era ter uma cozinha clássica. Fiquei cinco anos no restaurante trabalhando com chefs franceses. Eles sempre me falavam que era muito importante para um cozinheiro ter uma experiência na França”, conta. Assim, com um empurrão extra da esposa (que por sinal é francesa), mudou-se para Paris, onde trabalhou alguns anos na cozinha de Joël Robuchon e onde se formou na renomada escola de gastronomia Ferrandi.

“Cozinhei tanto com técnicas francesas que comecei a perder parte das minhas origens. Em 2014 me demiti e comecei a primeira versão do OKA. Eu queria escrever minha própria história”, discorre Raphael. Ali o chef lançou uma cozinha própria, franco-brasileira, em um pequeno espaço em Montmartre. “Comecei a prestar atenção no fato de que a única cozinha brasileira que se via fora do Brasil eram os clichês: a picanha, a moqueca… E isso saía totalmente da imagem do que a cozinha brasileira realmente é”, defende o chef.

Julie Limont

O mil folhas de mandioca, maçã e rapadura

Não foi tarefa fácil convencer os franceses de que a cozinha brasileira poderia ser executada nos moldes franceses: foram quatro meses de restaurante vazio. A virada veio com uma visita do crítico gastronômico Gilles Pudlowski, que publicou uma resenha positiva e crucial para o início da ebulição do restaurante.

A primeira estrela Michelin chegou em 2019, já no OKA 2.0, localizado na Rue Berthollet, após um tempo de permanência do chef no Brasil. Remodelado, passou a incorporar ingredientes variados, como a mandioca (frequente em sua cozinha) e o feijão. “A cozinha brasileira pode ser conhecida como uma haute gastronomie?”, ele pergunta. E ele mesmo responde: “Sim, pode”.

Reportagem publicada na edição 73, lançada em dezembro de 2019

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