Por que guardar dinheiro em casa

Impressiona a quantidade de parlamentares brasileiros que declaram possuir pequenas fortunas guardadas em casa

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Por que razão vários políticos – além de profissionais liberais e empresários – frequentemente informam em suas declarações de imposto de renda a posse de grande quantidade de dinheiro em espécie em sua residência, escritório ou comitê eleitoral?” Boa pergunta; checar o IR de, por exemplo, alguns de nossos representantes em Brasília causa espanto: há casos de dezenas de milhares de reais (e até valores maiores) parados em casa, sem render um tostão e sob risco de atrair assaltantes. Quatro especialistas respondem à questão. Veja a seguir:

Acessibilidade


  • Barry Wolfe

    Advogado pela Edinburgh University. Como diretor da Wolfe Associates Anti-Corruption Advisers, comandou investigações de crimes no mercado corporativo e de apoio a políticas de compliance.

    “Hoje em dia, quase todas as transações normais são realizadas na economia oficial. Se há grande quantia de ‘cash’ na casa de alguém, pode-se levantar possibilidades as mais diversas, dependendo de quem é a pessoa. Generalizar tem seus riscos. Mas a resposta à questão da FORBES Brasil exige certa generalização. No caso de um empresário ou profissional liberal, existe chance de que se trate de caixa 2 – e nem é descabido supor propina. Quando se fala de políticos, há a presunção de doação sem fonte revelada – o que já é estranho por si – ou de corrupção. Por que se optaria por declarar os valores? Talvez porque as leis contra lavagem de dinheiro e terrorismo são cada vez mais rígidas, dificultando abrir contas no exterior. Além disso, nos últimos anos houve repressão forte aos doleiros brasileiros. Anda difícil mandar fundos ao exterior ou repatriá-los por vias paralelas. Quem sabe por essa razão mais simples declarar a soma e pagar impostos, minimizando riscos com o BC e a Receita. Em decorrência pode ser questionada a origem do dinheiro, mas ao menos no campo político muita coisa é negociável, inclusive questões embaraçosas. Quanto à inquietante pergunta sobre por que manter o valor fora do banco, cabe mais uma suspeita generalizante: não seria porque o destino ‘ideal’ do montante seja indeclarável?”

  • Giovanni Falcetta

    Sócio responsável pela área de compliance no Aidar SBZ Advogados, coordenador da Comissão Anticorrupção e Compliance do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial – Ibrademp.

    “Apesar de não ser ilegal ter dinheiro em espécie em casa, a descoberta de grandes somas desse tipo pode abalar a credibilidade do indivíduo. E em um ambiente cada vez mais regulado, em que o jeito de fazer negócios vem mudando rapidamente – em especial com novas leis que visam combater a corrupção e a lavagem de dinheiro –, a não comprovação (e justificativa crível) de sua origem pode causar não só responsabilização judicial, mas também um dano irreparável à reputação. Dinheiro em espécie tem uma volatilidade maior que qualquer outro tipo de bem. É mais simples afirmar que todo ou grande parte do valor declarado no imposto de renda do exercício anterior foi gasto do que justificar o desaparecimento de imóveis, veículos e aplicações bancárias. E muito disso se deve ao fato de que é difícil, para o regulador, fazer o cruzamento entre o que se gasta no dia a dia e o que se declara ao imposto de renda, sendo natural, para muitos daqueles que optam por guardar grandes somas de dinheiro em casa, acreditar que seria mais fácil diluir tal valor em operações diárias. Vale dizer que esse montante em espécie pode, inclusive, não existir fisicamente, sendo sua declaração uma manobra fiscal ou, existindo, pode servir para encobrir a entrada de valor decorrente de atividade não declarada, podendo, neste caso, ser uma porta para a lavagem de dinheiro.”

  • Henrique Flory

    Mestre em administração pública pela Harvard Kennedy School e tradutor do livro “Superando a Corrupção”, de Bertrand de Spevill.

    “A despeito da posse de grandes somas de dinheiro vivo não constituir crime, ela levanta a suspeita de transferência não identificada de recursos para fins ilegais, entre eles a corrupção. Descartada essa razão óbvia, posso lembrar o trauma brasileiro decorrente do confisco das contas bancárias, poupanças e outros meios eletrônicos do Plano Collor, que pode ecoar até hoje na mente de alguns. Declarar a soma em dinheiro é uma forma de se precaver caso alguma investigação encontre o valor e passe a averiguar o caso. Uma última, porém frágil, explicação para o fato seria a necessidade de múltiplos pagamentos para trabalhadores temporários excluídos do sistema bancário tradicional.”

  • Silvia de Alencar

    Presidente do Sindicato Nacional dos Analistas-Tributários da Receita Federal do Brasil (Sindireceita).

    “Manter dinheiro em casa, ainda que em somas elevadas, não constitui crime ou irregularidade administrativa, desde que o proprietário comprove a origem lícita desses recursos. O fato é que essa ação de guardar dinheiro fora dos bancos expõe uma deficiência da Receita Federal em fiscalizar fluxos monetários e despesas pessoais, facilitando que alguns tipos de crimes possam ser cometidos. A Receita Federal falha ao não promover uma análise de dados, de processos e de declarações do IRPF. Essa ‘falha’ do órgão é resultado de uma gestão ineficiente de pessoal que impede uma atuação mais efetiva no combate a ilícitos tributários e aduaneiros. Servidores da carreira de auditoria da Receita Federal, analistas-tributários, estão sendo subutilizados pela administração e isso só favorece o enfraquecimento da fiscalização. A Receita Federal está estruturada para administrar a arrecadação espontânea, feita pelo bom contribuinte, mas precisa repensar métodos de trabalho que possam resultar em uma fiscalização mais atuante e eficiente, para ser capaz de identificar, autuar e denunciar à Justiça os que enriquecem ilegalmente e se utilizam livremente de valores monetários obtidos via atividades ilícitas.”

Barry Wolfe

Advogado pela Edinburgh University. Como diretor da Wolfe Associates Anti-Corruption Advisers, comandou investigações de crimes no mercado corporativo e de apoio a políticas de compliance.

“Hoje em dia, quase todas as transações normais são realizadas na economia oficial. Se há grande quantia de ‘cash’ na casa de alguém, pode-se levantar possibilidades as mais diversas, dependendo de quem é a pessoa. Generalizar tem seus riscos. Mas a resposta à questão da FORBES Brasil exige certa generalização. No caso de um empresário ou profissional liberal, existe chance de que se trate de caixa 2 – e nem é descabido supor propina. Quando se fala de políticos, há a presunção de doação sem fonte revelada – o que já é estranho por si – ou de corrupção. Por que se optaria por declarar os valores? Talvez porque as leis contra lavagem de dinheiro e terrorismo são cada vez mais rígidas, dificultando abrir contas no exterior. Além disso, nos últimos anos houve repressão forte aos doleiros brasileiros. Anda difícil mandar fundos ao exterior ou repatriá-los por vias paralelas. Quem sabe por essa razão mais simples declarar a soma e pagar impostos, minimizando riscos com o BC e a Receita. Em decorrência pode ser questionada a origem do dinheiro, mas ao menos no campo político muita coisa é negociável, inclusive questões embaraçosas. Quanto à inquietante pergunta sobre por que manter o valor fora do banco, cabe mais uma suspeita generalizante: não seria porque o destino ‘ideal’ do montante seja indeclarável?”

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