Resumo:
- Robert Richards, membro da tradicional família du Pont, admitiu ter violentado sua filha de três anos de idade;
- Ele se declarou culpado de uma acusação de estupro de quarto grau, pagou uma multa de US$ 4.395 e prometeu frequentar um centro de tratamento em Massachusetts;
- O acusado cumpriu sentença de oito anos de liberdade condicional sob o pretexto de que “não se daria bem na prisão”;
- Richards é parte da família du Pont, uma das mais poderosas de Delaware, com fortuna de US$ 14,3 bilhões construída ao longo de 200 anos.
Em 6 de fevereiro de 2009, Robert Richards admitiu ter violentado sua filha de três anos de idade. “Eu me sinto horrível”, disse ele à juíza, segundo documentos oficiais. “Não há desculpa para o que eu fiz com ela.”
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Na ocasião, o advogado do acusado de quase 136 quilos e dois metros de altura classificou-o como “uma pessoa um tanto quanto gentil” e argumentou que ele “não se daria bem” na cadeia. Horas depois, Richards deixou o Tribunal Superior de Delaware como um homem livre. Ele se declarou culpado de uma acusação de estupro de quarto grau, pagou uma multa de US$ 4.395 e prometeu frequentar um centro de tratamento em Massachusetts.
A juíza Jan Jurden, que presidiu o caso, havia inicialmente considerado condenar Richards a oito anos de prisão. Em última análise, ela lhe concedeu uma pena de oito anos em liberdade condicional. “Não há dúvida de que você deveria estar na cadeia pelo que fez”, disse ela durante a sentença. “Mas você tem necessidades significativas de tratamento que precisam ser abordadas e conta com forte apoio familiar. Então, ao contrário de muitas pessoas infelizes, você tem sorte nesse sentido e eu espero que dê valor a isso.”
Richards teve o apoio que a maioria dos condenados não têm. Após a sua libertação, ele voltou a viver com a renda de seu fundo multimilionário, resultado de ser um membro de uma das famílias mais poderosas de Delaware, os du Ponts. Embora nunca tenha trabalhado ou tido qualquer laço com a empresa DuPont, ele ainda se beneficia da fortuna da família, que a Forbes avaliou em US$ 14,3 bilhões em 2016, e foi construída ao longo de 200 anos.
Richards também se beneficiou de outro notável golpe de sorte: o caso foi ignorado pela imprensa local e ele evitou chamar qualquer atenção negativa – pelo menos até 2014, após o fim de seu casamento e de sua ex-mulher, Tracy Richards, processá-lo no tribunal civil por danos financeiros causados pelo crime. De repente, o caso se tornou uma sensação nacional, alimentado pela indignação pública, e grande parte das pessoas ficou surpresa por Richards ter escapado da prisão. Muitos também se perguntaram qual foi o papel de sua fortuna em mantê-lo livre.
Os du Ponts, um polígrafo e um Biden
A filha de Richards tinha cerca de cinco anos quando descreveu para sua avó materna, Donna Burg, a maneira particular como seu pai a tocou em outubro de 2007, segundo documentos judiciais. Donna imediatamente contou à filha e as duas entraram em contato com um médico e com a Child Abuse Hotline (entidade que investiga casos de abuso infantil). Richards foi preso sob acusação de que vinha abusando da filha desde que ela tinha apenas três anos. Em junho de 2008, o acusado se declarou culpado.
Em dezembro, Tracy Richards pediu o divórcio, processo que foi finalizado em fevereiro, exatamente na época em que Robert Richards foi a julgamento.
No dia de sua sentença, ele prometeu que seria submetido a tratamento fora do estado, em uma clínica de alto nível afiliada à Harvard Medical School, mas seu status de liberdade condicional não lhe permitiu cumprir a promessa. Em vez disso, ele ficou em Delaware para receber atendimento psiquiátrico e aconselhamento em grupo para criminosos sexuais, segundo um documento de liberdade vigiada de 2010.
Mas, depois de um ano de tratamento, segundo o mesmo relatório, o conselheiro sexual de Richards acreditou que o multimilionário havia feito pouco progresso e não estava revelando o suficiente sobre sua história para, efetivamente, resolver seus problemas. Foi recomendado então um exame de polígrafo, e os resultados sugeriram que Richards poderia ter violentado seu filho mais novo também.
O acusado está “muito preocupado que algo tenha acontecido com seu filho”, afirmou o relatório do polígrafo de 2010, mas ressaltou acreditar que memórias tenham sido reprimidas. O documento também indicou que Richards prometeu que qualquer coisa que ele havia feito com seu filho nunca mais se repetiria. Dois anos depois, o oficial de liberdade condicional levou ao tribunal suas “preocupações sobre o Sr. Richards por ofensas feitas no passado ao seu filho”.
Segundo uma reportagem local, a polícia investigou essas hipóteses, mas nunca tomou medidas. O Departamento de Polícia do New Castle County se recusou a comentar o caso. A Forbes não conseguiu falar com Richards, apesar de vários telefonemas e pedidos por intermédio de representantes.
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Então, em 2014, Tracy Richards entrou com uma ação no Tribunal Superior de Delaware, por danos financeiros em nome de ambos os filhos menores do casal e alegações de que Robert Richards “violou seu dever de cuidar de seus filhos mais novos”.
Desta vez, no entanto, Robert Richards não conseguiu evitar os olhares públicos. Em março de 2014, Tracy fez uma coletiva de imprensa sobre seu processo civil que ganhou ampla cobertura. “Para piorar as coisas, este estuprador confesso e abusador de crianças não pagou um único centavo às suas vítimas”, disse Thomas Crumplar, advogado de Wilmington que representou Tracy, segundo uma reportagem local. Crumplar estava ao lado de Tracy e de sua mãe, Donna Burg.
As manchetes foram, muitas vezes, brutais: “Du Pont não é condenado à prisão por estuprar filha de três anos” (“Vanity Fair”); “Condenado por estuprar criança se esquiva da prisão porque ‘não vai se dar bem por lá’” (“Huffington Post”); “Revelado: o herdeiro da família multimilionária du Pont foi poupado da cadeia por estuprar sua filha de três anos porque a juíza decidiu que ele não se sairia bem atrás das grades” (“Daily Mail”); “Por que a sociedade é fácil para os violadores” (“Slate”).
O processo foi resolvido em cerca de três meses. Tracy Richards não quis discutir o caso com a Forbes.
Mas as consequências do processo continuaram. A história de Richards se tornou foco de um frenesi midiático – tão significativo que a juíza Jan teria recebido várias ameaças, a ponto de precisar de um mandado de segurança. Até arrastou o falecido filho do vice-presidente Joe Biden, Beau Biden – então procurador-geral de Delaware – para o olho do furacão.
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O gabinete de Biden denunciou Richards originalmente por duas acusações de estupro de segundo grau, punidas com pena mínima de prisão de 20 anos, segundo uma reportagem local de 2014. Agora, eles precisavam explicar como haviam permitido uma redução de pena a praticamente zero.
Uma história de influência
Biden escreveu um editorial no “Delaware’s News” argumentando que a acusação contra Richards em 2009 “não era um caso forte, e perder o julgamento era uma possibilidade”.
Por meio do acordo, Richards, pelo menos, foi obrigado a se registrar como agressor sexual, ir para a terapia de reabilitação e prometer não ter contato com a vítima ou com qualquer pessoa com idade inferior a 16 anos, observou Biden. “Uma perda no julgamento teria impossibilitado qualquer uma dessas restrições.”
É verdade que o caso pode ter sido difícil de processar. Segundo David Finkelhor, diretor do Crimes Against Children Research Center (Centro de Pesquisas sobre Crimes Contra Crianças, em português), os promotores podem se ver em uma situação difícil quando apresentados a casos em que as vítimas são crianças pequenas – portanto, infelizmente, não são testemunhas fortes – e há pouca ou nenhuma evidência médica.
O que torna mais difícil ainda para os promotores, diz Finkelhor, é quando o suposto agressor tem recursos para uma forte defesa. “Se o promotor está diante de um advogado de defesa que não é apenas muito bom, mas também sabe como alimentar o jogo e garantir que as coisas se prolonguem por muito tempo, pode eventualmente abandonar o caso ou diminuir as acusações por exaustão.”
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Foi o que aconteceu com Robert Richards, segundo uma fonte com conhecimento do caso que pediu anonimato por medo de represálias. “É de se esperar que alguém que tem boas condições tenha um advogado melhor e obtenha um acordo com mais benefícios”, disse. “O [advogado de defesa] era muito bom. Esse foi o diferencial.”
O advogado de defesa em questão, Eugene Maurer Jr., é um renomado veterano de 40 anos, famoso por defender o ex-procurador-geral de Delaware Thomas Capano, considerado culpado de assassinar sua namorada em 1999, e Steven B. Pennell, um serial killer de Delaware, no final dos anos 1980. Em sua página profissional, Maurer se orgulha de ser o “advogado criminal de defesa de Delaware” por cerca de 25 anos. Maurer não respondeu aos pedidos de entrevista da Forbes.
A fortuna da família du Pont abrange continentes e séculos. Pierre du Pont, um rico editor e economista, foi conselheiro de Luís XVI, o último rei da França antes da Revolução Francesa. O filho de Pierre, Éleuthère Irénée, também conhecido como E.I., foi um cientista que trabalhou em uma fábrica de pólvora na França, onde se concentrou em melhorar a fórmula e as técnicas de explosivo para produção em massa.
Depois que Luís XVI foi executado durante a revolução, os du Pont se mudaram silenciosamente para os Estados Unidos, em 1799, para aumentar suas fortunas. E.I. du Pont fundou a empresa DuPont em Delaware, a 145 quilômetros do local onde Richards ainda vive.
“Delaware se tornou o habitat inicial dos du Ponts. O fato de terem sido, por muito tempo, a família mais influente do estado é universalmente reconhecido”, escreveu Bertie Charles Forbes em 1937. “Eles são o que são porque fizeram mais pelo seu Estado de origem do que qualquer outra família fez por qualquer outro Estado. Seus feitos foram e ainda são multifacetados e magníficos.”
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A DuPont se expandiu e foi de fabricante de pólvora a gigante química. Sua operação ainda apóia cerca de 3,5 mil integrantes da família, que inclui notáveis como Pierre S. “Pete” du Pont IV, que foi governador de Delaware de 1977 a 1985. Após uma fracassada candidatura presidencial em 1988, tornou-se sócio da Richards, Layton & Finger, o maior escritório de advocacia de Delaware, do qual o pai de Robert Richards também foi sócio.
A família também reivindica membros infames, como o esportista e biólogo marinho John du Pont, que em 1996 assassinou o lutador e medalhista olímpico David Schultz em sua propriedade de 3,2 quilômetros quadrados na Filadélfia. John foi considerado culpado de assassinato em terceiro grau e foi para tratamento psiquiátrico na penitenciária estadual de Cresson, na Pensilvânia. Único membro do Forbes 400 condenado por homicídio, ele morreu na cadeia em 2010, aos 72 anos de idade – a história foi dramatizada no filme “Foxcatcher” de 2014, que rendeu a Steve Carell uma indicação ao Oscar por sua interpretação do protagonista.
Segundo registros de delinquentes sexuais, Richards agora mora em uma casa de vários quartos escondida atrás das árvores em Hockessin, Delaware. Desde que seu período de liberdade condicional de oito anos terminou, em janeiro de 2017, ele parece ter se mantido reservado.
“A enorme família du Pont tinha seus loucos, e ela simplesmente cuidou deles”, diz a fonte próxima ao caso Richards.
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