O centibilionário Warren Buffett aumentou o seu histórico de doações filantrópicas em mais de R$ 5,7 bilhões na última segunda-feira (27) e, ao mesmo tempo, atualizou seu testamento, em uma carta animada e emocionada aos acionistas de sua empresa, a Berkshire Hathaway. Buffett anunciou que doará cerca de R$ 6,55 bilhões em ações da Berkshire para as fundações de caridade de sua família, incluindo as administradas por seus três filhos: Howard, Peter e Susie Buffett.
O investidor reafirmou o desejo de que seus filhos “distribuam gradualmente” todas as ações da Berkshire que ele possui – os papeis representam 99,5% de sua fortuna. Buffett explicou que “nunca quis criar uma dinastia ou seguir qualquer plano que se estendesse além dos filhos”. Desde que prometeu em 2006 doar a maior parte de sua riqueza, ele já doou 56,6% de suas ações da holding Berkshire.
Leia também
Aos 94 anos, Buffett revelou que refez o seu plano de herança para quando falecer. O bilionário indicou que nomeou três “curadores sucessores” para cada um de seus filhos em seu testamento. Caso algo aconteça com seus filhos, que têm entre 66 e 71 anos, o trio que supervisionará sua fortuna após sua morte deverá tomar decisões por unanimidade para a liberação de qualquer fundo. “As decisões de amanhã provavelmente serão melhores se feitas por três cérebros vivos e bem direcionados do que por uma mão morta”, explicou Buffett.
Buffett, amplamente considerado o mais renomado investidor de ações da história, ofereceu na segunda-feira um conselho contundente sobre planejamento sucessório, aplicável além dos poucos que possuem riquezas de sua magnitude. “Quando seus filhos forem maduros, peça que leiam seu testamento antes de você assiná-lo”, escreveu Buffett, acrescentando: “Você não quer que seus filhos perguntem ‘Por quê?’ em relação às decisões testamentárias quando você já não puder responder”.
Maior de todos os tempos?
Buffett é provavelmente o maior filantropo de todos os tempos, segundo estimativas da Forbes, tendo doado mais de R$ 342 bilhões para causas de caridade ao longo de sua vida. A maioria desse montante, mais de R$ 245 bilhões, são doações para a Fundação Gates, presidida pelo colega centibilionário e cofundador da Microsoft, Bill Gates.
Buffett tem uma fortuna estimada em R$ 855 bilhões, conforme os cálculos mais recentes da Forbes. Isso torna o bilionário do Nebraska a sexta pessoa mais rica do mundo. Ele possui o dobro do patrimônio que tinha em 2014, quando entrou na lista Forbes 400, mas tem menos da metade da riqueza do homem mais rico do mundo, Elon Musk, dono de uma fortuna superior a R$ 1,88 trilhão.
Veja a carta completa de Warren Buffett
As doações que estou fazendo hoje reduzem minhas ações Classe A da Berkshire Hathaway para 206.363, uma queda de 56,6% desde minha promessa em 2006. Em 2004, antes da morte de Susie, minha primeira esposa, nós dois possuíamos 508.998 ações Classe A. Por décadas, ambos acreditávamos que ela viveria mais que eu e, posteriormente, distribuiria a maior parte de nossa grande fortuna. Isso não aconteceu.
Quando Susie faleceu, seu patrimônio era de cerca de US$ 3 bilhões (R$ 17,1 bilhões), com aproximadamente 96% desse montante indo para nossa fundação. Além disso, ela deixou US$ 10 milhões (R$ 57 milhões) para cada um dos nossos três filhos, o primeiro grande presente que demos a eles. Esses legados refletiam nossa crença de que pais extremamente ricos devem deixar aos filhos o suficiente para poderem fazer qualquer coisa, mas não o suficiente para poderem não fazer nada.
Susie e eu há muito incentivávamos nossos filhos a se engajarem em pequenas atividades filantrópicas e ficamos satisfeitos com seu entusiasmo, diligência e resultados. No entanto, na época de sua morte, eles ainda não estavam prontos para lidar com a imensa riqueza gerada pelas ações da Berkshire. Mesmo assim, suas atividades filantrópicas foram significativamente ampliadas pela promessa vitalícia que fiz em 2006 e posteriormente expandi.
Agora, meus filhos mais do que justificaram nossas expectativas e, após minha morte, terão total responsabilidade por distribuir gradualmente todas as minhas ações da Berkshire, que atualmente representam 99,5% da minha riqueza.
O tempo é implacável. Mas pode ser imprevisível, injusto e até cruel, às vezes encerrando vidas ao nascer ou logo depois, enquanto, em outras, pode demorar quase um século para agir. Até agora, tive muita sorte, mas, em breve, o tempo chegará para mim.
No entanto, há um lado negativo em minha boa sorte de evitar sua atenção. A expectativa de vida dos meus filhos diminuiu significativamente desde minha promessa em 2006. Hoje, eles têm 71, 69 e 66 anos.
Nunca desejei criar uma dinastia ou seguir qualquer plano que se estendesse além dos meus filhos. Conheço os três muito bem e confio plenamente neles. Já as gerações futuras são uma questão diferente. Quem pode prever as prioridades, inteligência e comprometimento de gerações sucessivas ao lidar com a distribuição de uma riqueza extraordinária em um cenário filantrópico possivelmente muito diferente? Ainda assim, a vasta fortuna que acumulei pode levar mais tempo para ser usada do que meus filhos viverão. E as decisões de amanhã provavelmente serão melhores se tomadas por três cérebros vivos e bem direcionados do que por uma mão morta.
Por isso, três possíveis curadores sucessores foram designados. Cada um é bem conhecido pelos meus filhos e faz sentido para todos nós. Eles também são um pouco mais jovens que meus filhos. Mas esses sucessores estão na lista de espera. Espero que Susie, Howie e Peter distribuam todos os meus bens.
Cada um respeita meu desejo de que o programa de distribuição das minhas ações da Berkshire em nada traia a confiança excepcional que os acionistas da empresa depositaram em Charlie Munger e em mim. O período de 2006 a 2024 me deu a oportunidade de observar cada um dos meus filhos em ação, e eles aprenderam muito sobre filantropia em grande escala e comportamento humano. Cada um supervisionou equipes de 20 a 30 pessoas por muitos anos e observou as dinâmicas únicas de emprego que afetam organizações filantrópicas.
Amigos ricos frequentemente questionam minha confiança extraordinária em meus filhos e seus possíveis substitutos. Eles ficam especialmente surpresos com minha exigência de que todas as ações da fundação exijam um voto unânime. Como isso pode funcionar?
Expliquei que meus filhos sempre serão cercados por pedidos insistentes de amigos sinceros e outros. Outra realidade: quando grandes doações filantrópicas são solicitadas, um “não” frequentemente leva os possíveis beneficiários a tentarem uma abordagem diferente – outro amigo, outro projeto, qualquer coisa. Aqueles que podem distribuir grandes somas são eternamente vistos como “alvos de oportunidade”. Essa realidade desagradável faz parte do território.
Daí a cláusula da “decisão unânime”. Essa restrição permite uma resposta imediata e definitiva aos solicitantes: “Isso nunca receberia o consentimento do meu irmão.” E essa resposta melhorará a vida dos meus filhos.
Minha cláusula de unanimidade, é claro, não é uma solução mágica – claramente não funcionaria se você tivesse nove ou dez filhos ou enteados. E também não resolve o problema desafiador de distribuir inteligentemente muitos bilhões anualmente.
Tenho uma sugestão para todos os pais, seja qual for sua condição financeira: quando seus filhos forem maduros, peça que leiam seu testamento antes de você assiná-lo.
Certifique-se de que cada filho entenda tanto a lógica de suas decisões quanto as responsabilidades que enfrentará após sua morte. Se algum tiver perguntas ou sugestões, ouça com atenção e adote as ideias que parecerem sensatas. Você não quer que seus filhos perguntem “Por quê?” em relação a decisões testamentárias quando você já não puder responder.
Ao longo dos anos, todos os meus filhos fizeram perguntas ou comentários, e muitas vezes adotei suas sugestões. Não há nada de errado em ter que defender minhas ideias. Meu pai fez o mesmo comigo.
Atualizo meu testamento a cada dois anos – muitas vezes apenas com pequenas mudanças – e mantenho as coisas simples. Charlie e eu vimos muitas famílias se desintegrarem depois que as disposições de um testamento deixaram os beneficiários confusos e, às vezes, irritados. Ciúmes, juntamente com desentendimentos reais ou imaginários da infância, tornaram-se ampliados, especialmente quando filhos homens eram favorecidos em detrimento de filhas, seja em termos monetários ou em posições de importância.
Charlie e eu também testemunhamos alguns casos em que a discussão de um testamento antes da morte ajudou a unir a família. O que poderia ser mais gratificante?
Enquanto escrevo isso, continuo minha sequência de sorte, que começou em 1930 com meu nascimento nos Estados Unidos como um homem branco. Minhas duas irmãs, é claro, receberam a promessa da 19ª Emenda em 1920 de que seriam tratadas igualmente aos homens. Esse, afinal, era o ideal de nossas treze colônias em 1776.
Em 1930, no entanto, nasci em um país que ainda não havia cumprido essas aspirações. Com a ajuda de Billie Jean King, Sandra Day O’Connor, Ruth Bader Ginsburg e muitos outros, as coisas começaram a mudar na década de 1970.
Favorecido por meu status masculino, desde cedo tive confiança de que ficaria rico. Mas de forma alguma eu, ou qualquer outra pessoa, sonhamos com as fortunas que se tornaram possíveis nos Estados Unidos nas últimas décadas. Foi algo impressionante – além da imaginação de Ford, Carnegie, Morgan ou mesmo Rockefeller. Bilhões se tornaram os novos milhões.
As perspectivas não eram boas quando cheguei, no início da Grande Depressão. Mas a verdadeira magia do efeito composto ocorre nos últimos 20 anos de uma vida. Por não ter “escorregado em nenhuma casca de banana”, ainda estou ativo aos 94 anos com grandes somas de economias – chame-as de unidades de consumo diferido – que podem ser repassadas a outros que nasceram em condições muito desfavoráveis.
Também tive sorte por minha filosofia filantrópica ter sido entusiasticamente abraçada – e ampliada – por ambas as minhas esposas. Nem eu, Susie Sr., nem Astrid, que a sucedeu, acreditávamos em riqueza dinástica.
Ao invés disso, compartilhávamos a visão de que a igualdade de oportunidades deveria começar no nascimento, e estilos de vida ostensivos deveriam ser legais, mas não admirados. Como família, tivemos tudo o que precisávamos ou desejávamos, mas nunca buscamos prazer no fato de outros invejarem o que tínhamos.
Também me dá prazer saber que muitos acionistas iniciais da Berkshire chegaram independentemente a uma visão semelhante. Eles economizaram – viveram bem – cuidaram de suas famílias – e, pelo efeito composto de suas economias, repassaram grandes, às vezes enormes, somas para a sociedade. Seus “cheques de crédito” estão sendo amplamente distribuídos a outros menos afortunados.
Com essa filosofia, vivi como quis desde os meus 20 e poucos anos e agora assisti meus filhos crescerem como cidadãos bons e produtivos. Eles têm opiniões diferentes em muitos casos, tanto entre si quanto em relação a mim, mas compartilham valores comuns que permanecem inabaláveis.
Susie Jr., Howie e Peter dedicaram muito mais tempo ajudando diretamente outras pessoas do que eu. Eles apreciam estar confortáveis financeiramente, mas não são obcecados por riqueza. Sua mãe, de quem aprenderam esses valores, ficaria muito orgulhosa deles.
Assim como eu.