Na venda altamente monitorada do TikTok, a Casa Branca desempenha o papel de um banco de investimentos, com o vice-presidente JD Vance à frente do leilão. Trata-se de um nível de envolvimento sem precedentes em um negócio privado por parte do mais alto escalão do governo dos EUA, o que adiciona mais um grau de complexidade ao fechamento do acordo.
O principal assessor jurídico de Vance, o ex-presidente da Comissão Federal de Eleições Sean Cooksey, é o contato prioritário para os interessados nos ativos do TikTok nos EUA. Segundo Reid Rasner, um empresário de Wyoming que participa da disputa, Cooksey fornece feedback e sugere ajustes às propostas.
O presidente Donald Trump afirmou que quatro grupos diferentes estão interessados na compra do popular aplicativo de vídeos curtos, que tem 170 milhões de usuários americanos e enfrenta um possível bloqueio no país no próximo mês, caso a controladora chinesa ByteDance não encontre um comprador americano.
“Muitas pessoas querem [o TikTok], e cabe a mim decidir”, disse Trump em 9 de março. Embora não seja incomum que Washington interfira em negociações privadas de empresas de capital aberto por razões estratégicas, a supervisão direta da Casa Branca sobre o processo de venda é extraordinária, disse Richard Briffault, advogado especialista em ética governamental e professor da Faculdade de Direito da Universidade Columbia.
“Na verdade, não conheço nenhum caso semelhante”, afirmou Briffault. “Isso está acontecendo nos mais altos níveis do governo, e não está claro se essa empresa tem de fato uma importância estratégica significativa.”
A Casa Branca não respondeu aos pedidos de comentário sobre Vance ou sua equipe. O TikTok também não se pronunciou.
Entre os investidores americanos da ByteDance estão o Susquehanna International Group, de Jeff Yass, além da General Atlantic, da KKR (Kohlberg Kravis Roberts) e da Sequoia Capital.
A venda atraiu o interesse de outros bilionários e empreendedores. O fundador do Project Liberty, Frank McCourt, está se unindo ao investidor canadense Kevin O’Leary e ao cofundador do Reddit, Alexis Ohanian, em uma proposta conjunta. A estrela das redes sociais Jimmy Donaldson (MrBeast) está em negociações para integrar esse grupo, segundo uma fonte familiarizada com seus planos.
Trump sugeriu que os EUA poderiam adquirir uma participação de 50% nos negócios do TikTok no país.
O processo de venda está longe de ser convencional, disse McCourt. Não há um conjunto definido de ativos, nem uma avaliação clara, e a ByteDance não contratou um banco de investimentos para liderar a negociação, afirmou ele à Reuters.
Pequim tem poder de decisão sobre a venda do TikTok, e a ByteDance pode simplesmente encerrar o aplicativo nos EUA, acrescentou McCourt. Segundo ele, a empresa chinesa participa das negociações de forma limitada, não demonstrando o nível de engajamento esperado de um vendedor interessado.
As negociações estão em constante mudança, disseram vários potenciais compradores, que têm até 5 de abril para chegar a um acordo. Vance espera que os termos gerais da negociação sejam definidos até essa data, segundo autoridades.
Intervenções anteriores dos EUA
As autoridades americanas já intervieram em negócios privados antes, mas geralmente para evitar que empresas se tornassem monopólios abusivos, impedir que investidores estrangeiros controlassem empresas americanas ou prevenir o colapso de instituições financeiras.
O Departamento do Tesouro dos EUA também revisa regularmente investimentos estrangeiros em empresas americanas que detêm ou controlam tecnologia sensível, dados ou infraestrutura crítica – como no caso da oferta de US$ 14,9 bilhões da japonesa Nippon Steel pela U.S. Steel. Durante a crise financeira de 2008, o Federal Reserve intermediou diversos negócios, incluindo a compra da corretora Bear Stearns pelo JPMorgan.
Mas, no caso do TikTok, o motivo da intervenção da Casa Branca não está claro, disse Briffault. O Congresso proibiu o aplicativo durante o governo Biden, classificando-o como uma ameaça à segurança nacional e exigindo que a ByteDance vendesse seus ativos nos EUA para um comprador americano. Trump assinou uma ordem executiva estendendo o prazo original de 19 de janeiro por 75 dias, embora tenha dito que poderia prorrogá-lo novamente.
“O que torna este caso diferente é que não parece haver uma importância estratégica significativa para os EUA, nem um impacto financeiro ou econômico relevante caso a empresa deixe o país sem ser vendida”, explicou Briffault.
Trump tem sido incisivo ao defender empresas que aprecia, alertando que atos de vandalismo contra concessionárias da Tesla serão tratados como terrorismo doméstico. Curiosamente, Trump atribuiu ao TikTok – um aplicativo que tentou proibir em seu primeiro mandato – o mérito de ter ajudado a conquistar o voto dos jovens nas eleições de 2024.
O valor da venda do TikTok pode variar drasticamente, dependendo da inclusão ou não de seu algoritmo proprietário. Alguns analistas de ações estimam que o aplicativo pode valer entre US$ 50 bilhões e US$ 100 bilhões caso o algoritmo esteja incluso, já que ele é considerado o principal ativo da empresa, responsável pela captação de dados dos usuários.
Neste mês, a ByteDance informou aos funcionários que seu mais recente programa de recompra de ações avalia a companhia em mais de US$ 315 bilhões, segundo duas fontes familiarizadas com o assunto. Trump sugeriu que a plataforma poderia valer até US$ 1 trilhão.
Sem o algoritmo, o TikTok poderia ser vendido por US$ 40 bilhões a US$ 50 bilhões, estimou o analista Dan Ives, da Wedbush.
Rasner, que apresentou uma oferta de US$ 47,45 bilhões pelos negócios do TikTok nos EUA, incluindo o algoritmo, disse que seus advogados estão em contato com lobistas da ByteDance em Washington, seu departamento jurídico e a Casa Branca.
“Queremos fazer tudo o que for necessário para concretizar esse acordo”, disse Rasner à Reuters. “E estamos dispostos a qualquer coisa.”
Rasner se recusou a revelar quem são seus investidores, afirmando apenas que seu grupo inclui fundos de private equity.
“Há muitos tubarões no mar”, disse ele sobre a acirrada disputa pela compra. “Estamos navegando em águas turbulentas, e há muitas variáveis em jogo.”
