No mês passado, a varejista online de calçados e vestuários esportivos Netshoes divulgou seus resultados referentes ao último trimestre de 2018: um prejuízo de R$ 90,3 milhões, 81,7% maior na comparação anual. A receita apresentou recuo de 1% entre outubro e dezembro de 2018 ante mesmo período do ano anterior, fechando em R$ 566,4 milhões. O Ebitda (resultado antes de juros, impostos, depreciação e amortização) foi negativo em R$ 66 milhões – 401,3% a mais do que no último trimestre de 2018. Os custos de vendas aumentaram 7,5% e as despesas operacionais, 9,2%. A própria companhia reconheceu que foi um ano difícil: as operações B2B foram paralisadas, a operação no México vendida e a unidade da Argentina oferecida ao mercado (a venda foi concluída em abril deste ano).
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Mas, então, por que a operação brasileira da varejista está sendo disputada com unhas e dentes pelo Magazine Luiza e pela Centauro? A novela ganhou mais um episódio na última quarta-feira (29), quando o grupo SBF, dono da rede de lojas de artigos esportivos, aumentou sua oferta para US$ 108 milhões – ou US$ 3 por ação – contra os US$ 93 milhões oferecidos pelo Magazine Luiza. Desde que as negociações começaram, no fim de abril, as propostas já aumentaram 75%.
Há várias explicações para a fome das duas empresas pela Netshoes, apesar de seu desempenho. No caso do Magalu, a aquisição seria um caminho mais curto para a entrada no mercado de moda, setor no qual não tem nenhum expertise. “As margens dos itens deste segmento são bem maiores do que as margens dos eletroeletrônicos”, explica Roberto Kanter, professor de marketing de varejo da Fundação Getúlio Vargas e diretor executivo da consultoria Canal Vertical. “Criar essa diversificação pode gerar muitos dividendos para a companhia, inclusive no varejo físico.”
Além disso, uma operação como essa fortaleceria a presença online de uma empresa que nasceu em uma era na qual o comércio eletrônico sequer sonhava em existir. Apesar da enorme e bem-sucedida transformação digital pela qual a empresa tem passado nos últimos anos, sob o comando de Frederico Trajano, o Magazine Luiza ainda tem uma presença física impressionante: são mais de 900 lojas espalhadas por 300 municípios brasileiros que representam pouco mais de 60% do faturamento total.
Já no caso da Centauro, Roberto Kanter acredita que a compra da Netshoes se trata quase de um movimento de defesa de sua posição frente a um player que ainda não tem experiência nesse segmento, mas que domina o setor de bens de consumo como o Magalu. “A Netshoes tem um portfólio de produtos maior do que a Centauro”, diz o especialista, ao lembrar que a operação deixou de contemplar apenas calçados há muito tempo e hoje cuida de mais de 20 e-commerces de marcas como NBA, NFL, Puma, Corinthians e River Plate. Deixar um ativo como esse cair nas mãos de um concorrente não seria uma boa ideia.
No entanto, mais do que disputar entre elas, Magalu e Centauro têm um inimigo em comum que tem ganhado força no Brasil: a Amazon. A gigante norte-americana do varejo eletrônico deu um grande passo no território nacional ao anunciar, em janeiro deste ano, o início dos seus negócios de vendas diretas (e não apenas via marketplace, ou seja, de outros fornecedores) com a oferta de milhões de itens de 12 categorias – que incluem artigos esportivos e móveis – e um centro de distribuição de 47 mil metros quadrados em Cajamar, Grande São Paulo. A partir desse movimento, a companhia criada pelo bilionário Jeff Bezos para vender livros passou a ter estoque e controle sobre sua operação logística, o que a tornou apta a competir em pé de igualdade com boa parte dos varejistas brasileiros.
Para Kanter, a Amazon só é o que é no mundo – a ponto de ameaçar varejistas tradicionais como o Walmart, que tem travado uma verdadeira guerra com a concorrente nos Estados Unidos – por causa de sua capacidade de conhecer bem o cliente. Neste ponto, a aquisição da Netshoes por qualquer uma das duas empresas que a estão disputando ganha mais um benefício: o acesso a um arsenal de dados de consumidores.
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Ana Szasz, diretora da Ebit Nielsen, diz que o foco no cliente é o maior desafio de todos os tempos. “Muito se fala sobre isso, mas a verdade é que o varejo ainda é muito orientado ao produto e ao serviço. A China provocou uma revolução no setor porque consegue entregar o que o consumidor quer, na quantidade que deseja e no lugar onde ele precisa. Essa é uma facilidade que as empresas que nasceram como ponto.com tem”, explica.
Kanter lembra que a integração – inclusive dos dados, a ponto de extrair inteligência – não é mais um problema. “Os custos com a tecnologia diminuíram muito nos últimos anos”, diz o especialista. A integração operacional também deixou de ser um desafio impossível. “A palavra de ordem hoje é vender no maior número de canais possível. O omnichannel está em alta.”
No que diz respeito à operação das marcas – já que as três brasileiras são nomes fortes, presentes no mindset dos consumidores –, também ainda não dá para cravar como ficará o futuro da Netshoes, independentemente de quem ganhar a disputa. “É preciso fazer um estudo sobre os posicionamentos de cada uma delas, entender sua força do ponto de vista interno e dos consumidores”, explica Beto Almeida, CEO da Interbrand. No ranking Marcas Brasileiras Mais Valiosas de 2018, elaborado anualmente pela consultoria especializada em marcas, o Magazine Luiza – o único dos três a figurar – apareceu em 15º lugar, avaliado em R$ 745 milhões, um crescimento de 50% em relação a 2017.
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